ÂNGELA FERREIRAMais pesado do que o céu

Exposição
20 Nov – 19 Dez 2021

Uma viagem ao Chile, mais especificamente a Punta Arenas, é o ponto de partida para Mais Pesado Que o Céu, a exposição que Ângela Ferreira traz até ao Sismógrafo. Punta Arenas, situada na zona austral do Chile, é desde há vários séculos um local marcado pelas tensões coloniais, políticas, geopolíticas e económicas de uma cidade portuária posicionada geograficamente como o principal ponto da travessia marítima entre o Oceano Atlântico e o Pacífico. Esta travessia, revelada pelos europeus há pouco mais de 500 anos, aquando da circumnavegação de Fernão Magalhães e Juan Sebastián Elcano, não só permitiu a constatação de que a Terra é redonda, como se tornou a porta de entrada para a colonização do terri-tório chileno e da América Latina.

Usada desde a independência chilena como uma cidade chave para reclamar a soberania deste país sobre o Estreito de Magalhães, Punta Arenas ficou marcada nos primeiros anos pós-independência pelo carácter de cidade penitenciária que os poderes centrais lhe impuseram e pela intensa imigração de que foi alvo. Esta cidade é hoje um local de enorme importância turística e expedicionária para o acesso à Pe-nínsula Antártica. É precisamente nesta relação com o mar e com a navegação que se inicia Más Pesado Que El Cielo (viajes magallánicos), um diário emocionado desta ida a Punta Arenas. Deste ponto de terra firme, que tanto é de partida como de chegada, a câmara de Ângela Ferreira mostra-nos um cargueiro de passageiros atracado, desvendando, desde logo, aquilo que nestes últimos 500 anos tem sido uma constante deste ponto geográfico: a chegada e a partida de povos e mercadorias.

Esta viagem videográfica que a artista nos propõe é pautada precisamente por este jogo de memórias entre partidas e chegadas, mas também por uma esperança na luta dos que sobram. Más Pesado Que El Cielo desenrola-se nesta teia de relações entre: um passado colonial; um país marcado por uma história política complexa desde a sua independência; e o acaso que fez Ângela Ferreira passar por Punta Arenas precisamente nos momentos que antecederam a saída para a rua dos protestos do povo chileno em 2019. São disso reflexo as diversas imagens do cemitério de Punta Arenas, local onde as complexas de-mografias e a herança do passado colonial se evidenciam; a apropriação por parte da artista de imagens das manifestações de 2019, bem como da canção que as acompanhou, El baile de los que sobran, da banda de rock chilena Los Prisioneros; ou o revisitar trabalhos seus passados. Este diário de viagem evidencia esta correlação entre a memória de um passado e a tentativa de o olhar de uma perspectiva crítica junto às reivindicações contemporâneas de uma série de protestos marcados pelo passado da legislação constituinte chilena. Assim, este “baile de los que sobran”, procura ser capaz de reverter, naquele espa-ço e tempo, o sentido das linhas que definiam ambos.

A multiplicidade de tempos que se cruzaram naquele local conduziram Ângela Ferreira de volta aos mapas, 
mais especificamente ao mapa da rota da circumnavegação. A série de desenhos aqui apresentada evoca essa preocupação da artista em relação à ideia de mapa e de rota, à metáfora daquilo que a representação de uma rota pode ser. Num mapa mundo eurocêntrico, esta rota ponteada por datas de chegada a diver-sos locais é também uma metáfora e uma porta para tudo aquilo que lhe sucedeu. Estes desenhos, aglomerados de linhas que parecem não conduzir a rota nenhuma, são também uma forma de entender esse espaço de representação como possibilidade de criação de novas metáforas, capazes de ajudar a compreender a complexidade de encantos e momentos que aquele local e tempo levantaram. São linhas, próximas às linhas que Naum Gabo usava nas suas Construções Lineares, porque foi em Gabo que Ângela viu uma possibilidade de entender as complexidades daquele lugar. 

We thus restore to sculpture the line as direction, which prejudice had stolen from it. This way, we affirm in sculpture depth, the unique form of space. [Realist Manifesto, Naum Gabo and Antoine Pevsner, 1920]
      
As esculturas de Gabo, ao serem definidas por linhas – não só as que delimitam o espaço da escultura como as que o preenchem – ajudaram Ângela a entender a complexidade inerente a Punta Arenas e a multiplicidade de linhas espaciais e temporais que a definem. Gabo, ao assumir a linha como uma direcção do objecto escultórico, permitia que este se definisse no confronto entre o vazio e o concreto, determinando a resistência do objecto não através da sua massa, mas dos planos e das linhas que o for-mam. A possibilidade de percepcionarmos nesta Mais Pesado que o Céu (escultura), que Ângela Ferreira apresenta, tanto um tempo e um espaço, que são os da própria escultura, como todos aqueles que ali se cruzam e cruzaram e que ali coincidiram e dali divergiram, permite-nos olhar para ela como essa construção de novas metáforas capazes de nos fazer sonhar que os que sobram serão capazes de redese-nhar novas linhas.

Ângela Ferreira nasceu em 1958 em Maputo, Moçambique. Concluiu os estudos de Artes Plásticas na África do Sul obtendo o grau de mestre na Michaelis School of Fine Art, University of Cape Town. Atualmente vive e trabalha em Lisboa, leciona na Faculdade de Belas Artes de Lisboa, onde obteve o Doutoramento, em 2016. O trabalho de Ângela Ferreira desenvolve-se em torno do impacto do colonialismo e pós-colonialismo na sociedade contemporânea. As suas homenagens escultóricas, sonoras e videográficas têm continuamente referenciado a história económica, política e cultural do continente africano ao recuperar a imagem e obra de algumas figuras inesperadas como Bob Dylan, Peter Blum, Carlos Cardoso, Ingrid Jonker, Jimi Hendrix, Jorge Ben Jor, Diego Rivera, Miriam Makeba, Angela Davis ou Forough Farrokhzad. Dos seus trabalhos recentes destacam-se: #BucketsystemMustFall (2021); A Spontaneous Tour of Some Monuments of African Architecture (2021); Talk Tower for Forough Farrokhzad (2020); 1 Million Roses for Angela Davis (2020); Power Structures (2020); Dalaba: Sol d’Exile (2019); Pan African Unity Mural (2018);Talk Tower for Diego Rivera (2017); Wattle and Daub (2016); A Tendency to Forget (2015); Independance Cha Cha (2014); Mount Mabu (2013); Stone Free (2012); Collapsing Structures/ Talking Buildings (2012); Cape Sonnets (2010/2012); For Mozambique (2008).

Exposição
20 Nov – 19 Dez 2021