HERNÂNI REIS BAPTISTAAs uvas de Zeuxis

Exposição, Fora de Portas
14 Set – 28 Out 2019

Inauguração:
Sábado, 14 Setembro 2019, 16:30

Entrada gratuita
Casa das Artes - Rua Ruben A, 210 Porto

É como uma dança

Óscar Faria

Na última década da sua vida, Matisse dedicou-se a criar obras desenhadas com uma tesoura, os “papéis recortados”. Estes trabalhos, que lhe recordavam o cinzelar dos escultores, declinaram-se em muitos motivos: animais, plantas, algas, estrelas, figuras e formas abstractas. Entre as inspirações do artista francês contavam-se os ícones bizantinos e uma antiga viagem ao Taiti. O resultado destas coloridas experiências pode ser hoje observado em livros, murais, colagens, vitrais, papéis de parede, etc.

Segundo um relato de Hilary Spurling, na sua biografia do artista, nesses anos do pós II Guerra Mundial, já com mais de 75 anos, “Matisse trabalhava sem tatear ou hesitar, comparando-se repetidas vezes nessa época a um acrobata ou a um malabarista. A mente, a mão e o olho fluíam juntos sem esforço (“É como uma dança”, disse ele). Aqueles que o observavam acabavam hipnotizados por seus dedos deslizantes.”

A exposição “As uvas de Zeuxis”, de Hernâni Reis Baptista, primeira parte de um díptico, que terá a sua continuidade em “A cortina de Parrásio”, a inaugurar em Novembro, no Sismógrafo, dá seguimento ao trabalho que tem vindo a ser apresentado pelo artista, nomeadamente aquele onde se detecta uma aproximação a questões relacionadas não só com as vidas animal e vegetal, mas também com os diálogos interespécies e respectivas mutações.

Na Casa das Artes, é revelado um novo conjunto de trabalhos, por onde passa uma série de tropos comuns à arte e à natureza. Ideias relacionadas com mimesis, camuflagem, ilusão, engano, trompe-l'œil e ruína emergem de obras onde se observam plantas, animais e minerais, que têm em comum a capacidade de se confundirem com o meio ambiente. Existe ainda uma outra camada, por agora invisível, que adensa o mistério acerca destas peças também possíveis de interpretar como memoriais de um mundo em vias de extinção.

Quem desce as escadas até ao piso inferior da Casa das Artes depara-se com um cenário que pode gerar sensações contraditórias. Se, numa primeira aproximação são as formas e as cores que captam a atenção do espectador, quando este percorre a exposição corre o risco de se sentir habitado por um certo desconforto, pois, diante de si, no chão, sobre um fundo amarelo, estão alinhadas 14 espécies numa apresentação algo inquietante: subtilmente vai-se manifestando em nós uma série de memórias de imagens relacionadas quer com desastres naturais, quer com assassínios em massa. E, de repente, já não conseguimos deixar de nos ver ali, nós mesmos, enquanto corpos mortos, extintos de toda aquela beleza.

Numa instalação minimalista, com uma iluminação ténue, procurou-se assim criar as condições para o aparecimento de uma certa tensão entre os trabalhos e o observador. A pele das obras, que mimetiza não só animais, plantas e minerais, mas também o mármore – contrastando com os materiais usados na arquitetura envolvente –, procura iludir o olhar. A película amarela que lhes serve de fundo sublinha o movimento interior das impressões, realizadas agora sobre madeira. Tudo serve para falsear o real. Nesta floresta de enganos, a última operação foi essa tentativa de transformar uma sala de exposições numa morgue, uma derivação do tema do museu enquanto mausoléu.

Por outro lado, existe uma vida inextinguível nestes objectos, pois recordam-nos ainda essa outra verdade: há uma realidade para além de nós e das espécies que desaparecem todos os dias. São assim pedaços de uma dança, estes recortes de um impossível puzzle, pois apesar de muitos elementos se terem perdido pelo caminho, naqueles que até nós chegaram, através da arte de Hernâni Reis Baptista, persiste o desejo de resistir com o mundo, mesmo recorrendo a estratégias de sobrevivência que passam pela criação de uma ficção, seja ela uma fábula ou um manifesto.

Apresentadas do avesso, estas obras, também pinturas abstractas, peles manchadas por uma nódoa, uma queimadura ou um desejo, participam dessa vontade de celebrar a diferença das formas, das cores, das espécies. O caranguejo é a begónia. O leopardo é o polvo. Todos são todos. Do outro lado, o invisível já está diante de nós.

Resta agora esperar que os trabalhos mostrados neste dispositivo, que lembra ainda uma estilizada Feira da Vandoma, onde se diz poder encontrar muitos artigos roubados, revelem a outra face, nesse segundo momento desta exposição, a acontecer em Novembro. Talvez então seja possível encontrar outras respostas aos problemas desde já colocados pelo artista.

Entretanto vamos dizendo:

A vida era assim. Por aqui.

ANIMALIDADES E OUTRAS BOTÂNICAS

Ciclo de exposições

O ciclo “Animalidades e outras botânicas” pretende trazer para o primeiro plano uma reflexão sobre a forma como a arte tem vindo a criar novos espaços para o encontro entre as espécies, nessa tentativa de aproximar natureza e cultura, incluindo-se nesta proposta, entre outras, as ideias de Donna Haraway, Timothy Morton, Bruno Latour, Paul B. Preciado, Edward Osborne Wilson, Henry David Thoreau, e os poetas W.S. Merwin e Gary Snyder e a sua “ecologia profunda” que, no prefácio ao seu livro “A prática da natureza selvagem” (edição portuguesa, Antígona, 2018), escreve: “O mundo selvagem—frequentemente depreciado como caótico e brutal pelos pensadores ‘civilizados’—é na verdade imparcialmente, implacavelmente, belamente formal e livre. A sua expressão—a riqueza da vida animal e vegetal no globo, que inclui as tempestades, os vendavais, as calmas manhãs de Primavera, e nós próprios—é o mundo real, a que todos pertencemos.”

Hernâni Reis Baptista (Vila do Conde, 1986) vive e trabalha no Porto. É licenciado em Artes Plásticas - Multimédia, pela Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto, onde foi selecionado com o prémio de aquisição da exposição de finalistas em 2013.
Começou a expor em 2011, de onde se destacam as exposições colectivas “CAVE”, na SOLAR, Galeria de Arte Cinemática (Vila do Conde, 2012), “Sem Quartel”, no Sismógrafo (Porto, 2014), "Quando alguém morria os gregos perguntava: tinha paixão” (Porto, 2016) e "Não é ainda o Mar" (Gaia, 2018), ambas com curadoria de Óscar Faria, entre outras.
Apresentou individualmente “Mesa” e “Falha” no Espaço Campanhã (Porto, 2011 e 2013), “Tropismos”, no Espaço Vésta (Porto, 2015), “T-1000”, na Floating Islands, Maus hábitos (Porto, 2015), “Dog eat dog, no Sismógrafo (Porto, 2016, Curadoria de Óscar Faria) e "Intraduzibilidade, Untranslatability, Unu¨bersetzbarkeit”, no Klub Genau, a par do festival de arte “KARAT, the ocean and the river” (Colónia, Alemanha, 2013), “The Confession of the flesh”, na Kubik Gallery (Porto, 2018), entre outras.
O seu trabalho está representado em coleções privadas e instituições internacionais, como a Fondazione Sandretto re Rebaudengo, Torino, Italia, entre outras.
Participou também em residências artísticas na qual se destaca a “360º Context and Process”, pela Triangle Network no espaço Hangar (Lisboa, 2015) e Inter.Meada (Alvito, 2017). Trabalha maioritariamente com instalação, escultura, video, e diversos processos digitais.

Folha de sala

Exposição, Fora de Portas
14 Set – 28 Out 2019

Inauguração:
Sábado, 14 Setembro 2019, 16:30

Entrada gratuita
Casa das Artes - Rua Ruben A, 210 Porto