VASCO BARATAWild sea money

Exposição
18 Nov – 17 Dez 2016

Inauguração
Sexta-feira, 18 Novembro 22:00

Entrada gratuita

Wild Sea Money

O título deste breve texto é uma apropriação do título da exposição de Vasco Barata noSismógrafo. A razão dessa apropriação prende-se com o modo como tenho observado o seu trabalho e como o epítome “selvagem” (Wild ou Savage, na locução inglesa que tem usado noutras obras e exposições) tem condensado uma reacção a um desnivelamento conceptual e imagético que me afectam e me suscitam dúvidas sobre a condição urbana e as suas estratificações sociais, económicas, literárias, musicais, plásticas, relacionais e até visionárias.

A escolha do título, a partir de uma frase dessa obra monumental da autoria de James Joyce intitulada Ulysses, conduz-nos para um território armadilhado em que o espaço e o tempo são determinantes na armadilha perceptiva que nos propõe. Tal como no trabalho de Vasco Barata, que é uma forma condicional de dar a ver e que nos interroga o corpo e o espírito perante a materialização dessas pistas que são as obras de arte que o artista produz. Mas Joyce não é aqui um pretexto, tal como não o é também Raymond Pettibon, artista contemporâneo de Vasco Barata, que desenhou o logotipo da banda punk Black Flag (1976, Califórnia, EUA), o qual é aqui apresentado sob uma outra forma, apropriada, transmutada e em que as formas são já outra pista que teremos de descodificar.

É reconhecida a importância que as imagens representam no universo criador deste artista, mas é também inegável que esse universo se distende numa miríade de formulações a partir dessas imagens enquanto símbolos de uma cultura fragmentada, wild se quisermos, voraz e selvagem na forma como nos conduz, sob a aparência desses símbolos e referentes, para uma encruzilhada permanente que se vai desdobrando em espaços múltiplos e anacrónicos.

Uma obra realizada a partir de diversas imagens que nos são familiares pode sintetizar o processo de trabalho de Vasco Barata. Essas imagens representam figuras humanas de costas, que carregam uma vulgar mochila num contexto urbano. Esta é uma imagem que é coeva do tempo em que vivemos, como símbolo de um nomadismo urbano, de alguém (qualquer um de nós) que se encontra em permanente movimento, como se a cidade se constituísse como umhabitat denso e inifinitamente percorrível, em que é absolutamente necessário sermos nós mesmo autoportantes, como se não bastasse a locomoção de que somos dotados.

A mochila é então uma extensão do corpo que se move na cidade como outrora este se movia em terrenos desconhecidos, numa expedição pela natureza dentro. Às costas passámos a ter uma pelagem de imagens que se identificam como modos de vida, atitudes políticas, mensagens e símbolos que proferem desejos e agregam o imaginário colectivo. Numa dessas imagens está impressa uma coruja que nos olha, com as cores de um animal selvagem, livre, que habita uma ideia ainda persistente de um estado natural que vamos resgatando continuamente à nossa consciência do mundo. Esse lugar primordial está intimamente ligado a uma imagem da natureza que buscamos na literatura, no cinema, nas viagens imaginadas e porventura num desejo de escapar à cidade que cortejamos e construímos e que, tornando-se insuportável, não nos consegue ainda saciar.

Tudo isto é tão contraditório como o quotidiano que vivemos, como uma espécie de ciclo diário entre a maré-baixa e a maré-alta que se repete e traz consigo todo o que virá a levar e a devolver sob uma forma diferente, mas num movimento semelhante. Como as pedras que parecem sobrar sobre a areia e que em tempos diferentes farão ressoar esse apelo a um estado primevo, contudo um estado que é um desejo resiliente, resistente e inexpugnável, como a natureza sonhada, mesmo nas entranhas da paisagem urbana que percorremos incessantemente.

*James Joyce, Ulysses [1922], Oxford University Press, Oxford, 1993, p. 37.

VASCO BARATA (Lisboa, 1974) vive e trabalha em Lisboa. Licenciado em Pintura pela Faculdade de Belas Artes de Lisboa, com estudos paralelos em Fotografia e pós-graduado em Desenho, pela mesma Faculdade. Frequentou em 2006 o Curso de Artes Visuais do Programa Gulbenkian Criatividade e Criação Artística (Fundação Calouste Gulbenkian/ Ar.Co). Frequenta actualmente o Doutoramento em Arte Contemporânea no Colégio das Artes – Universidade de Coimbra. Desde finais dos anos 90, Vasco Barata tem vindo a apresentar o seu trabalho sob diversas formas, alternando sobretudo entre uma investigação aturada no domínio da construção e percepção da imagem (através do recurso à prática da fotografia e do vídeo) e uma tentativa de compreensão dos mecanismos da expressão aliados à prática diária do desenho. Articula, nas suas obras, um interesse particular pelo cinema e pelas estratégias cinematográficas, pelos códigos da linguagem e por um vasto leque de referentes da cultura popular. Das últimas exposições individuais destacam-se: “Spooky Action at a Distance”, Fonseca Macedo Arte Contemporânea (Ponta Delgada, Açores, 2016); “Um Peso Fantasma”, com curadoria de Albano da Silva Pereira, CAV – Centro de Artes Visuais (Coimbra, 2014) e “Les Apaches”, Appleton Square (Lisboa, 2013).

JOÃO SILVÉRIO, nasceu em 1962. Fez estudos em Pintura e Filosofia e é Mestre em Estudos Curatoriais pela Faculdade Belas-Artes da Universidade de Lisboa/Fundação Calouste Gulbenkian. É curador da coleção de arte contemporânea da Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento. Inicia a sua actividade como curador independente em 2003. Seleção de projectos e exposições: “A curiosidade não matou o gato”, de Luís Paulo Costa, Galeria da Livraria Assírio & Alvim (Lisboa, 2003); “Desenhos”, de Joana Rosa, Galeria da Livraria Assírio & Alvim (Lisboa); “L'Inceste”, de Vasco Araújo Museu Nacional do Azulejo (Lisboa, 2005); “Stream”, Galeria White Box, (Nova Iorque, 2007); “A Luz por Dentro – Colecção da Caixa Geral de Depósitos”, Palácio da Quinta da Fonte da Pipa (Loulé); “Imaginário da Paisagem – Colecção BESArt”, Centro de Artes de Visuais (Coimbra, 2010); “all to wall, Parte I Parte II”, Cristina Guerra Contemporary Art (Lisboa, 2011); “Dois Desenhos, Uma Escultura”, de José Pedro Croft , Appleton Square (Lisboa, 2012). Cria o EMPTY CUBE em Outubro de 2007, que tem apresentado projetos de artistas, designers e arquitetos. Encontra-se a elaborar a dissertação da sua tese de doutoramento em Arte Contemporânea no Colégio das Artes da Universidade de Coimbra.

Exposição
18 Nov – 17 Dez 2016

Inauguração
Sexta-feira, 18 Novembro 22:00

Entrada gratuita