PRISCILA FERNANDESMake it Bounce

Exposição
14 Jan – 19 Fev 2022

Make it bounce, please, make it bounce!

Duchamp é um sapo que perdeu a capacidade de saltar. Mondrian uma serpente que dá aulas de yoga. John Cage um rato que joga xadrez e apanha cogumelos. Um estúdio de yoga, um vídeo e uma cronologia que relaciona a arte abstracta com o lazer. Nesta exposição, os cogumelos transformam-se em instrumentos musicais, as pedras do muro são teclas de um piano, as borboletas nascem dos livros. Priscila Fernandes move-se em múltiplas direcções. Conta-nos uma história por analogias. Usa a justaposição para iluminar um mundo transitório e apresenta uma história alternativa. Joga com mitos da arte moderna, o entretenimento, o desejo de criar sem restrições, com um salto que nos arranca da indiferença.

Na cronologia que agora se publica, The Waterslide of Abstract Art, compilada ao longo de vários anos, Priscila Fernandes vai construindo pares não idênticos. Um Luna Park, o Titanic, um trampolim que lança o nosso corpo no ar. “Primordial Chaos”, de Hilma Af Klint, “Two Moons”, de Alexander Calder, “Total Solar Eclipse”, de Sarah Morris. Estas imagens falam entre si, a verdade de uma revela o que se encontrava escondido na outra. São momentos da vida moderna, com os seus materiais, as suas formas e ritmos. Mostram-nos que a mesma técnica que permite construir um barco de recreio, uma caravana ou uma roda gigante, mecanismos que nos fazem sonhar, também permite construir aviões que lançam bombas em vez de trazerem a neve do cimo das montanhas para lançá-la sobre a cidade nos dias quentes de Verão1. As cores alegres das velas dos pequenos barcos de Daniel Buren (“Voile/Toile–TÅAoile/ Voile”) contrastam com a imagem do Cais de Scheveningen bombardeado na Segunda Guerra Mundial, convertido agora em cenário de um salto. As justaposições de Priscila Fernandes vão além da comparação, das semelhanças e das diferenças: o relâmpago de duas forças separadas produz uma imagem saturada de história.

Walter Benjamin insiste que devemos acordar do mundo dos nossos pais. O mundo que entra na fantasia da nossa infância adquire um potencial crítico quando, como adultos, o reconhecemos como uma ilusão, como um sonho. Priscila Fernandes aproxima-se dos fragmentos de sonho para resgatar o que neles cristalizou, para decifrar os desejos esquecidos, para que possamos despertar do passado. Nos parques de atracção, nas termas, no campismo, nas actividades de lazer, nos lugares mais inesperados, a artista encontra a nossa história secreta. O mundo que vemos em “Make it bounce” não é outro, mas este percebido de um modo diferente. A artista preserva a capacidade mimética, essa capacidade à qual se refere Benjamin quando diz
que as crianças, nos seus jogos, percebem o mundo ao produzirem e reconhecerem similaridades: “A criança brinca não só a ser lojista ou professor, mas também moinho de vento e comboio”2. Jogo, mímica, magia. Digressões, desvios, aparência. O sapo Duchamp, a serpente Mondrian e o rato Cage guardam um segredo. É preciso saltitar para alterar as coisas, não escapamos ao desastre apenas porque temos esperança: há que agir. Saltar para flutuarmos no espaço livremente. Este mundo que conhecemos não é o único imaginável. A arte ainda nos pode abrir um espaço de liberdade, juntando vários tempos e experiências, preservando a diferença, insistindo no ponto cego onde o desastre pode ser interrompido. Precisamos de um salto que expanda a fantasia, que nos abra a novas experiências cognitivas e sensoriais, que nos faça ver o mundo de pernas para o ar e nos mostre uma realidade multifacetada. Um salto de um corpo capaz de resistir à domesticação cultural. Um salto que permita romper a corrente de imagens que nos satura os sentidos, que nos faça acordar do sonho do nosso passado recente e nos mostre o verdadeiro rosto do presente. Make it bounce, please, make it bounce!

1 “The bombers remind us of what Leonardo da Vinci expected of man in flight: that he was to ascend in the skies ‘in order to seek snow on the mountaintops and bring it back to the city to spread on the sweltering streets in summer’” (Pierre Max- ime Schuhl quoted in Walter Benjamin, The Arcades Project, Cambridge, Massachusetts, and London: Belknap Press of Harvard University Press, 1999, p.486 [N 18a, 2].

2 Walter Benjamin, “On the Mimetic Faculty”, Se- lected Writings, vol. 2, part 1, 1927-1930, edited by Howard Eiland, Michael W. Jennings, and Gary Smith, Cambridge, Massachusetts, and London: Belknap Press of Harvard Univer- sity Press, 1999, p. 720.

Texto de Emídio Agra.

Priscila Fernandes (1981, Portugal) é artista e diretora da licenciatura em Belas Artes (BEAR) da ArtEZ University of the Arts, Arnhem, Países Baixos. A sua obra está enraizada numa pesquisa contínua sobre educação, o jogo, e a dialética entre o trabalho e o lazer. Em vídeos, publicações, desenhos, pinturas e instalações sonoras, ela aborda as disputas sociais que estão no centro de decisões estéticas de diferentes movimentos modernos. O seu trabalho tem sido exposto extensamente em vários países. Exposições recentes incluem a 32a Bienal de São Paulo; The Book of Aesthetic Education of the Modern School, Fundação Joan Miró, Barcelona; Back to the sandbox: Art and Radical Pedagogy, Reykjavik Art Museum; Playgrounds, Museu Reina Sofia, Madrid; Learning for Life, Henie-Onstad, Oslo; 12 Contemporâneos, Museu de Serralves, Porto; Those bastards in caps come to have fun and relax by the seaside instead of continuing to work in the factory, na TENT, em Roterdão; e This is the time. This is the Record of the Time, no Stedelijk Museum Bureau, Amsterdão.

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