INVERNOMUTOEMPIRE 2020

Exposição
18 Jun – 30 Jul 2022

Inauguração
Sábado 18 Junho 17:00–20:00

Entrada gratuita

O Sismógrafo, em colaboração com o Passos Manuel e a Galeria Municipal do Porto, apresenta um programa triplo em torno de várias vertentes do trabalho da dupla italiana Invernomuto. Ao longo de três dias, terão lugar uma projecção de dois filmes no cinema Passos Manuel, a inauguração de uma exposição com trabalho inédito no Sismógrafo e um concerto comentado na Concha Acústica dos Jardins do Palácio de Cristal.

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Ao longo de seis horas e meia de uma noite quente do Dubai, o duo artístico Invernomuto filmou o edifício mais alto do mundo. Ali vemos as mudanças impostas pela luminosidade do céu, pautadas pelas luzes que nos prédios se vão acendendo e apagando com o passar do tempo. Esta imagem retrata o Burj Khalifa – um chamariz construído para atrair todos os que queiram presenciar a sua imponência. EMPIRE 2020 é, em certa medida, um cartão-postal de um edifício que, na sua configuração, é ele próprio um postal daquele lugar e de um mundo onde o capitalismo tardio impera. É uma imagem altamente definida dum símbolo do prestígio e poder das elites daquele território. 

EMPIRE 2020 é um remake de EMPIRE, de Andy Warhol, filmado em 1965. Warhol, com a ajuda de John Palmer, Jonas Mekas e outros, enquadrou o topo do Empire State Building e filmou-o ininterruptamente durante seis horas e meia. Tanto Warhol, como os Invernomuto acabaram por reduzir a velocidade das suas filmagens para que os filmes chegassem à duração final de oito horas e cinco minutos.

Entre outras questões, os dois arranha-céus partilham o facto de terem sido filmados no momento em que eram considerados os edifícios mais altos alguma vez construídos. Os dois tornaram-se fundamentais para o imaginário de cada uma das cidades onde foram erguidos e são símbolos tanto dessas sociedades como desses tempos. Numa conferência recente no MIT Architecture, intitulada “Building and Bildung und Blackness”, Fred Moten aborda a homofonia destas duas palavras — Building e Bildung — para reflectir sobre como a arquitectura e as suas lógicas de projecto podem ser vistas como formas de auto-imagem. Como se, para nos conhecermos e reconhecermos, precisássemos de uma imagem nossa. Estas duas imagens, estes dois prédios — Empire State Building e Burj Khalifa — estão intrinsecamente ligados a este projecto de construção de uma auto-imagem. Um plano arquitectónico sobre como uma sociedade, ou sociedades, se vêem. Um projeto urbanístico em direção ao céu que molda o imaginário que detemos de ambas as cidades e que condiciona o que podemos esperar delas. Os arranha-céus tornaram-se como que flechas da arquitectura e do planeamento urbano, “coisas de heróis,” como diz Peter Cook. É na brutal verticalidade destas estruturas que reside o seu significado e a sua mensagem primordial. São monumentais porque é assim que uma sociedade deve ser: poderosa, forte, memorável, capaz de todos seduzir. Partem desta lógica para ganhar forma, sugando a atenção de todos, desde o chão, onde estão sedimentados, até ao topo. 

A forma como estas estruturas arquitectónicas se impõem na horizontalidade de uma paisagem denota o seu poder e a visão falocêntrica da sociedade que as propõe. São estruturas verticais, em vistas predominantemente horizontais, pensadas para serem escaladas até ao topo. São uma referência ao eterno sonho de alcançar o céu e, sobretudo, são percepcionadas pela maioria como algo intangível, que apenas vemos habitado em filmes ou séries de televisão. Representam o poder económico inalcançável, mas ainda assim existem para serem contempladas, para nos fazerem sonhar, enquanto representação da realização última do sonho capitalista. 

É na presente inacessibilidade destas estruturas que interagimos com elas. São inatingíveis, mas a sua presença é constante, assumindo-se como um fantasma de que não nos conseguimos livrar. Ambos os filmes replicam isso e trazem com eles a miragem que estes edifícios são. As oito horas de duração destes filmes é a média de horas de trabalho diárias em grande parte do mundo; são demasiadas horas para olhar para algo sem sequer desviar o olhar e, se o fizermos, aquelas imagens ainda lá estarão. E ainda estarão aqui, no Sismógrafo, quando olharmos de volta. E como os Invernomuto naquela noite, não chegaremos lá. Ainda assim, há uma certa poética sensação de paz vertical na ideia de assistirmos a um só plano, fixo, durante todo aquele tempo, e nele contemplarmos as nuances que a luz provoca. Aí, nessa longa maratona, olhamos frontalmente uma representação da sociedade. EMPIRE 2020 pede que nos deitemos e observemos este filme.

Em oposição ao filme mudo de Warhol, EMPIRE 2020 é acompanhado por uma longa, meditativa e generativa banda sonora, que se serve do algoritmo de Black Med para criar um fluxo contínuo de som. Black Med é uma plataforma na qual os artistas têm vindo a trabalhar desde 2018 que procura reflectir sobre a crise humanitária e sobre as tensões e disputas geopolíticas que assombram o Mar Mediterrâneo, através de trilhos sonoros deixados pelas migrações que, nas palavras de Iain Chambers, “resistem à representação e propõem uma economia afectiva [que é] intrinsecamente diaspórica”. Para EMPIRE 2020, Simone Bertuzzi e Simone Trabucchi viajaram pelos desertos do Médio Oriente, expandindo o projecto num desvio pelo Golfo Pérsico — um local com intensas rotas migratórias, onde as condições laborais para trabalhadores da construção civil são para lá de precárias.

Pedro Huet

Invernomuto é o nome do alter-ego artístico criado em 2003 por Simone Bertuzzi (Piaenza, 1983) e Simone Trabucchi (Piacenza 1982). Vivem e trabalham em Milão, Itália. São autores de uma série de projectos de investigação estruturados no tempo e no espaço, dos quais derivam ciclos de trabalhos interligados. Numa base teórica comum, Invernomuto tende a pensar de forma aberta e rizomática, desenvolvendo diferentes trabalhos que assumem a forma de imagens em movimento, sons, acções performativas e projetos editoriais, no quadro de uma prática definida pelo uso – tão difuso quanto é preciso – de diferentes media. A realidade é observada de acordo com princípios e interesses documentais, mas com o propósito de criar uma representação imaginativa e quase abstracta, que oferece amplas margens de reflexão e interrogação crítica.

Os Invernomuto investigam universos de subculturas, transitando por diferentes práticas, em que a língua vernácula é uma forma de valorização e aproximação às culturas orais e mitologias contemporâneas. Observadas com um olhar que aspira a ser fecundado e regenerado por elas, a declarada inautenticidade de alguns dos materiais utilizados desempenha um papel fundamental neste processo, que sublinha não só o real, mas também o caráter fictício e distorcido das realidades que exploram. Ambos os artistas desenvolvem, também, linhas de pesquisa individuais, com os projetos musicais Palm Wine e STILL.

Apresentaram trabalho na Bienal de Liverpool de 2021 e na 58ª edição da October Salon – Bienal de Belgrado de 2021 e no programa de performance da 58ª Bienal de Veneza (2019). Das exposições individuais recentes destacam-se as mostras na The Green Parrot, Barcelona (2021), Auto Italia (Londres, 2020), Galleria Nazionale (Roma, 2019) ou na Pinksummer (Genova, 2019). O seu trabalho foi mostrado na TATE (Londres), Manifesta 12 (Palermo), Villa Medici (Roma), Alserkal Avenue (Dubai), Kunsthalle Wien (Viena), Bozar (Bruxelas), Centre d’Art Contemporain (Geneva), Bétonsalon (Paris), Centre Pompidou (Paris), Fondazione Sandretto Re Rebaudengo (Turim), Hangar Bicocca (Milão), Biennale Architettura 11 (Veneza). Sob os pseudônimos de Palm Wine e STILL, Bertuzzi e Trabucchi têm vindo a desenvolver uma investigação sobre matérias sonoras.

Folha de sala