COMPLEX PLACESCuradoria de STATIONS

Michael Kleine, Sofia Duchovny

Exposição
12 Mai – 17 Jun 2023

Inauguração 
12 Maio 2023 
18:30

COMPLEX PLACES inaugura uma nova linha de programação do Sismógrafo. Iremos, a cada dois anos, estabelecer um diálogo com um espaço internacional que se materializará em exposições realizadas quer no Sismógrafo quer na casa do colectivo convidado. É neste contexto que surge a curadoria de STATIONS, um projecto com sede em Berlim, fundado por Melissa Canbaz e Mihaela Chiriac. Em 2024, será a vez do Sismógrafo se deslocar a Berlim.

"Como é que os aspectos físicos e imateriais de um espaço podem ser replicados, traduzidos ou transpostos para um outro contexto com as suas próprias idiossincrasias e especificidades? Quando o Sismógrafo nos convidou para organizarmos uma exposição, no seu actual espaço no Bonfim, pensámos como poderíamos abordar tanto as particularidades como as afinidades dos nossos respectivos espaços e práticas. A pensar em ambos os lugares e espaços, convidámos para colaborarem nesta exposição os artistas Sofia Duchovny e Michael Kleine, radicados em Berlim. Nas suas práticas individuais, as obras de ambos os artistas lidam com as noções de encenação, performatividade e teatralidade, explorando as condições específicas da recepção.

As características de um espaço de exposição são fundamentais para as práticas, transacções, intervenções e objectos que nele ou para ele se desenvolvem. Os parâmetros sociais e arquitectónicos, fortemente entrelaçados e interdependentes, influenciam consideravelmente as nossas diferentes rotinas. Por outro lado, as narrativas individuais e colectivas que investimos num lugar dão-lhe forma. Uma antiga loja de pianos transformada em local de exposições, o espaço do Sismógrafo é muito particular, com o seu vestíbulo inundado de luz, o corredor de formas irregulares, os nichos e, sobretudo, o tapete vermelho intenso, que recorda a anterior utilização do espaço e que se tornou um elemento permanente e um parâmetro decisivo em todas as exposições que aqui se têm vindo a realizar. Mas, mais do que um vestígio da loja de pianos, o tapete vermelho remete à teatralidade, à exibição e à performance. Como tal, encontrou no contexto de um espaço de exposição uma utilização adequada, embora, à primeira vista, invulgar. Assinala, desde logo, o envolvimento dinâmico e recíproco entre os espectadores e os objectos presentes neste espaço. A exposição concebida por Sofia Duchovny e Michael Kleine para o Sismógrafo tem como premissa precisamente esta transferência de energias.

Os pequenos objectos cuidadosamente coreografados por Michael Kleine nas salas do Sismógrafo são estranhos e ambíguos. A apresentação da fatia de pão em tamanho real, do cogumelo ou da coroa de espinhos tem uma semelhança ilusória com as suas versões reais. Mas, após uma inspecção atenta, o seu mimetismo é revelado. O seu realismo acaba por ser uma fachada magistralmente trabalhada e o seu embuste duplo: não correspondem às coisas que imitam, nem são obras de arte “verdadeiras”. Gozam de um tipo diferente de artifício – são adereços teatrais. Se, no palco, estes dispositivos ajudam a suspender a incredulidade do espectador e a transmitir veracidade, aqui, retirados da rede de significantes teatrais, pairam entre realidades. Mas só são despojados dos seus poderes evocativos aparentemente, pois a forma como os objectos encontrados por Michael Kleine “actuam” num espaço de exposição não é totalmente diferente do teatro. As encenações meticulosas destes objectos provocam uma transformação do cenário arquitectónico, bem como uma activação psicológica do visitante implicado de forma latente. Em vez de ajudarem a transmitir uma determinada história, como no teatro, aqui os adereços assumem (mimetizam!) um novo “papel” como obras de arte. Viajantes peripatéticos de texto para texto, de contexto para contexto, os objectos de Michael Kleine funcionam como veículos ou ecrãs para narrativas moldadas pelas transacções emocionais e informativas entre o ambiente e os espectadores.

Também ela empenhada na activação psicológica do espectador através de estratégias visuais e performativas, a instalação expansiva de Sofia Duchovny para o Sismógrafo é uma réplica espectral do nosso espaço em Berlim. Um pavilhão de tule translúcido pende suavemente de uma delicada estrutura de varas que recria o traçado das nossas instalações. Os contornos espaciais do STATIONS são convertidos numa arquitectura dobrável, portátil e temporária, como uma tenda pronta a ser montada num local diferente. Trata-se de um espaço perfeitamente inserido noutro espaço – visível, ainda que transparente e permeável; frágil, ainda que acolhedor. Ao fazer eco de um espaço de exposição existente, o pavilhão artificial de Sofia Duchovny reitera o jogo de imitação efectuado pelos adereços de Michael Kleine. Esta instalação duplamente site-specific coloca o público no seu centro e, paradoxalmente, entrelaça dois lugares heterogéneos. Ao encenar a reconstituição espacial de movimentos que são fisicamente possíveis no espaço de Berlim, a artista transforma simbolicamente os visitantes do Sismógrafo em visitantes do STATIONS.

Juntamente com a Sofia e o Michael, tivemos em mente o novo público do Porto ao qual nos dirigimos. O leitor deste texto, quem sabe um visitante assíduo do Sismógrafo, poderá não estar familiarizado com o local onde o STATIONS está situado, em Berlim, Alemanha.

Como se de um diagnóstico se tratasse, as letras ADHS estão grafitadas a vermelho, em caracteres finos, no topo da fachada norte do complexo de edifícios chamado “New Kreuzberg Center”, abreviadamente NKC, onde se situam as nossas instalações. Para além de nós, há muitos outros estabelecimentos comerciais, grandes e pequenos, que ali se encontram há muito mais tempo do que nós: um restaurante curdo, uma sapataria, vários cafés turcos, uma barbearia, alguns estúdios de artistas e espaços de exposição, além do famoso Café Kotti, para citar apenas alguns. E depois temos os moradores, os inquilinos habituais que vivem neste complexo de edifícios situado na Adalbertstrasse, uma das artérias que conduz à movimentada paragem de metro Kottbusser Tor. De facto, toda a área, da qual o NKC é um componente importante, pode ser descrita como uma área perturbada e alimentada pela inquietação e hiperactividade. O lugar é heterogéneo, os opostos chocam, mas também coabitam. Se nos aproximarmos da longa galeria ao ar livre, no lado sul do edifício, acessível aos transeuntes através de uma escadaria pública, encontraremos o STATIONS entre o Café Kotti e o Fächer, um espaço vizinho gerido por artistas. Apesar das fachadas das janelas, o nosso espaço, quando a porta está fechada, é tranquilo e quase dado à meditação, mas normalmente deixamos que a paisagem sonora da rua agitada se infiltre na sala da frente. No Verão, o espaço é inundado pela luz do sol. O sol de Verão faz desaparecer toda a sujidade circundante e o céu azul brilhante ilumina os amarelos e cinzentos do edifício.

O nosso espaço, tal como todos os outros ao lado da galeria do primeiro andar e no rés-do-chão, foi concebido para fins comerciais ou públicos. A partir do segundo andar, os apartamentos são residenciais. O edifício situa-se em Kreuzberg, um dos 12 bairros de Berlim. Após a Segunda Guerra Mundial, quando centenas de milhares de berlinenses sem abrigo tiveram de ser alojados, desencadeou-se um processo de planeamento urbano que repensou as estruturas arquitectónicas e sociais. O NKC foi um desses projectos em Kreuzberg. Construído entre 1969 e 1974, traça um semicírculo sobre a antiga rede de ruas e edifícios. Ao longo dos anos, o impacto social deste grande complexo de edifícios conheceu altos e baixos que se repercutem até aos dias de hoje. Independentemente das adversidades socioeconómicas com que se tem debatido (hoje, não é apenas a epidemia da droga, mas também uma forte corrente de gentrificação que se apodera do bairro), a zona que envolve o NKC tem-se mantido um local animado, moldado pela sociabilidade multicultural e impregnado de energias rebeldes.

Realizámos esta viagem imaginária a Berlim-Kreuzberg para criar uma imagem mental do sítio de onde vimos. Agora estamos aqui no Sismógrafo, na Rua da Alegria 416, no Bonfim, Porto. Quando entramos no espaço do Sismógrafo, talvez pela última vez, antes da mudança para as suas novas instalações, deparamo-nos com as obras de Sofia Duchovny e Michael Kleine, que nos convidam a habitar mentalmente e a explorar, simultaneamente, as intersecções e diferenças de vários tipos de lugares e a acrescentar os que trazemos connosco." Melissa Canbaz e Mihaela Chiriac

 

 

Sofia Duchovny (Moscovo, 1988) vive e trabalha em Berlim. Concluiu os seus estudos em 2014 na Städelschule, em Frankfurt am Main, como aluna de Monika Baer. Participou, em 2016, no Programa de Berlim para Artistas. O seu trabalho foi exposto no Künstlerhaus Balmoral, Kunsthalle Mannheim, Künstlerhaus Bremen, Kunsthalle Freeport, Kunsthal Aarhus, CONDO, Nova Iorque, Kunstverein Göttingen, Künstlerhaus Bremen, Kunstverein Hannover, Between Bridges e Kunstverein Braunschweig, entre outros. Em 2016, realizou uma residência no HIAP em Helsínquia, Finlândia.

Michael Kleine (Lahr, 1981), vive e trabalha em Berlim. Concluiu o mestrado em direcção de teatro musical na HfMT, Hochschule für Musik und Theater, em Hamburgo. Os seus objectos, instalações e performances foram apresentados no Bonner Kunstverein, KV - Verein für zeitgenössische Kunst Leipzig, Volksbühne Berlin, Schinkel Pavillon Berlin, Staatsoper Hamburg, Sammlung Klosterfelde Hamburg, Ruhr Triennale Bochum, Theater Basel, Museion Bozen e Biennale d'Arte di Venezia, entre outros. Como artista visual, recebeu uma bolsa de viagem da Neue Kunst, em Hamburgo, e foi bolseiro da Akademie Musiktheater heute, Frankfurt am Main.

STATIONS são Melissa Canbaz (Hannover, 1986) e Mihaela Chiriac (Brasov, 1984). STATIONS começou em 2017 como um projecto curatorial nómada e, desde 2019, está localizado em Kreuzberg, um bairro de Berlim etnicamente heterogéneo e densamente povoado. O programa da STATIONS é inspirado em e voltado para práticas colaborativas, é desenhado a partir de uma abordagem interdisciplinar que inclui concertos ao vivo, leituras, apresentações de livros, palestras, além de exposições.

Apoio

  • Goethe-Institut