A irmã de František R.
Exposição
15 Jul – 12 Ago 2016
Inauguração
Sexta-feira, 15 Julho 22:00
Entrada gratuita
Querido irmão,
Há muito que queria enviar-te estas palavras, mas os afazeres em casa não me têm dado o sossego necessário para organizar as ideias e dizer-te da minha vida. Há, contudo, contratempos que nos dão essas horas de descanso propícias à escolha das frases adequadas ao nosso estado de espírito. Uma doença sazonal faz com que tenha de permanecer mais tempo na cama possibilitando-me assim estes intervalos favoráveis à escrita. O plenilúnio, neste silêncio nocturno, também inspira a coragem de dizer-te o meu desacordo acerca do teu contrato com a família Schwarzenberg.
Que loucura vai na cabeça de alguém quando decide tirar os ossos do seu lugar próprio para decorar uma capela: não parece uma acção digna de tão nobre linhagem. E tu entraste nessa profanação, meu irmão! O que passa contigo? Esqueceste a educação que nos foi dada pelos nossos bem-amados pais? E o que vai pensar o velho padre Friedrich, que tanto cuidou em ensinar-te os evangelhos, com as suas histórias de milagres e da vida exemplar de Cristo? Não tiveste ninguém a teu lado para chamar-te à razão? A descrição que fazes das tuas das ideias para Sedlec, sobretudo na última carta, parecem-me tão macabras, tão diabólicas, tão disparatadas... Fiquei deveras preocupada: as pessoas admiram-te enquanto carpinteiro e é a esse ofício que te deves continuar a dedicar. A riqueza não é tudo, querido František!
Ainda ontem decidi ir à cidade, apesar do frágil estado em que encontro. Procurei acalmar a minha ansiedade com uma visita ao museu. Regressei à sala onde se encontra uma pintura que desde sempre me intrigou: a visita de Alexandre, o Grande, a Diógenes de Sínope, obra de Caspar de Crayer. Tudo me pareceu ser uma novidade, como se fosse a primeira vez que a observava. Nele, o militar está perante o cínico – cuja cabeça me faz lembrar uma outra de Santo Agostinho, de um altar do mesmo autor, que um dia vi em Valenciennes. O grego, que se encontra a descansar no barril que lhe serve de abrigo, foi assim questionado pelo macedónio: “O que desejas, filósofo?”. A réplica não se fez esperar: “Sai da frente do sol que me aquece”. Diz-se que morreram ambos no mesmo dia, não sei se isto é verdade, mas, se for, pouco importa, pois cumpriu-se o destino de nós todos. Inúteis e enganosos são os esforços para criarmos uma vida artificiosa. Quem sou eu? A mais difícil das perguntas, meu irmão. Pensa nela, talvez consigas voltar a reencontrar-te contigo.
Aterrada com tantos pensamentos, querido František, tentei distrair-me com aquelas decorações em pasta de açúcar, que tu tanto gostavas quando eras criança, nesse tempo passado horas a fio na cozinha, junto à nossa mãe. E, imagina tu que, de repente, estava a dar forma a ossos, alinhando-os sobre a mesa com a precisão de um arqueólogo. Deixei-me levar pela excitação e, sem saber como, uma flor crescia de cada doce, como se as raízes se alimentassem do tecido rígido de um esqueleto. Só parei quando a fiz desabrochar. Tudo tão agradável, tão benigno, que logo ali me veio um enorme desejo de comer aquelas pétalas. Lambi os dedos, confesso. E senti-me muito feliz.
Não podes rescindir o contrato? Imagino que um dia, essa tua vontade de decorar a capela possa ser confundida por arte: que pesadelo! E os planos para construíres candelabros gigantes feitos com as ossadas dos mortos. Essa não lembra o diabo! Se ao menos te inspirasses na natureza: flores, frutos... Por favor, meu querido irmão, não encares estas palavras como uma censura, mas receio as consequências futuras do teu gesto: transformar a capela num desses lugares inscritos num guia Baedeker. Consegues imaginar Sedlec frequentada por ateus? Que vulgaridade, pobre František.
Despeço-me, com saudades e muito carinho.
A sempre tua,
António de Sousa (Matosinhos, 1966) vive e trabalha no Porto. Licenciou-se em Artes Plástica – Pintura, na Faculdade de Belas Artes do Porto, em 1994. Expõe com regularidade desde 1993, e o seu trabalho está representado nas colecções da Fundação de Serralves (colecção Ivo Martins), do Museu do Neo-Realismo, do CAPC – Centro de Arte Contemporânea de Coimbra e na colecção Maria José Laranjeiro. Tem realizado várias exposições individuais, das quais se podem destacar: “an endless Húbris”, no Museu do Neo-Realismo (Vila Franca de Xira, 2012); “Basta uma Abissínia.. e uma Coca-Cola”, Uma certa falta de coerência (Porto, 2012); “Tales from... nowhere”, Galeria Reflexus (Porto, 2010); “Never Ending Battle...”, Project Room – Galeria Reflexus (Porto, 2009); “acerca da sobrevivência”, Galeria Extéril (Porto, 2009) e “Uma Exposição sem Qualidades”, Uma certa falta de coerência (Porto, 2008). De entre as exposições colectivas em que participou recentemente, destacam-se: “Lugares de Viagem”, Bienal da Maia, Forum da Maia (Maia, 2015); “Sem Quartel / Without Mercy”, Sismógrafo (Porto, 2014); “Square eyes”, CAZ, (Penzance, Cornwall, Inglaterra, 2011); “Colecção Maria José Laranjeiro”, Centro cultural Vila Flor (Guimarães, 2011); “Às Artes Cidadãos”, Museu de Serralves (Porto, 2010); “Impresiones y comentários – Fotografía Contemporánea Portuguesa – Obras de las coleciones BESart y Fundação de Serralves” – Museu de Arte Contemporânea, Fundació Foto Colectania, Barcelona e Sala Parpallo, Valência (2010) e “Está a morrer e não quer ver”, Espaço Campanhã (Porto, 2009).
Exposição
15 Jul – 12 Ago 2016
Inauguração
Sexta-feira, 15 Julho 22:00
Entrada gratuita