Um Campo
Exposição
28 Jun – 30 Jul 2021
O que seria se pensássemos na exploração mineira não como extracção, mas como exumação? Que diferença faria esta palavra? Uma palavra que evidencia não só a extracção de matéria de algum lugar, mas, mais precisamente, o seu desenterramento. Se exumarmos os vários significados que se encontram na própria palavra exumação, poderemos começar a compreender a sua relação com o solo (húmus) e, por conseguinte, a sua relação com o humano—um ser próximo da terra, “terráqueo”. Compreender a exploração mineira como exumação implica então o desenterrar dos mortos—um esforço especificamente humano. O desenterramento e a queima de combustíveis fósseis necessários à produção capitalista têm como consequência o rápido desaparecimento do planeta, pelas mãos de alguns seres humanos.
Esta talvez seja a necrontologia particular da mineração; a configuração da existência (energia/capital) através da morte (combustíveis fósseis/crise climática). Mais exactamente, a exploração mineira não é mais do que necrontologia, na medida em que só pode existir na, e através da, exploração e produção da morte.
Após a mineração, os seres humanos alteram a própria geologia, topografia, hidrologia e ecologia dos locais que exumam, deixando para trás danos irreparáveis que causam mais morte, via envenenamento das reservas de água e cadeias alimentares, e a exaustão e toxicidade da terra. Quando uma mina deixa de ser utilizada, os seus edifícios defuntos formam um novo cadáver que se senta acima do solo, vigiando as entradas no submundo onde outrora a maquinaria escavava na paisagem. Sob esta luz, a mina desafectada revela-se uma criatura semelhante a um zombie, articulada no limiar da vida e da morte. Dá origem a uma monstruosa nova paisagem nascida da toxicidade, mas o seu único legado é o da morte. "Assim, entregamos o seu corpo à terra, terra à terra, cinza às cinzas, pó ao pó; na esperança certa e inabalávelda ressurreição para a vida eterna".
Esta exposição constitui um segundo momento de uma conversa à volta de música, histórias de luta, do desenvolvimento do projecto capitalista e industrial e do que mais se desfia daí. O primeiro momento focou-se na transformação da indústria na região do Ruhr, na Alemanha—a mutação de um cenário industrial mineiro para um de logística—influenciada pelas medidas políticas da Margaret Thatcher sobre o trabalho mineiro e todas as revoltas pelo país derivadas das pressões sociais nos anos 80. Seguimos uma abordagem baseada na música e nas várias histórias daí provenientes, paralelas a esse momento.
Após a exumação, resta a trasladação de quatro corpos de som. Estes corpos passaram anos debaixo da superfície, envoltos numa terra que não era a sua. Restos mortais não identificados no campo.
Soam músicas e sons a partir de outros—a tocar em resposta e em contraponto com o trabalho de Michel Giacometti e Fernando Lopes-Graça, com o Jorge Peixinho, com a Clotilde Rosa, com o José Afonso, com o Luís Cília e tantos outros.
O abandono das minas de São Domingos em 1966 e o seu processo contínuo de oxidação e libertação de metais desde então assemelha-se a certas estratégias culturais de preservação de património. Quer nas do passado ditatorial, quer nas do presente neoliberal. As ambições extractivistas-capitalistas provam que tudo é alvo de captura; o comum desaparece—sujeito a ter de implorar a preservação da sua vida, terra, casa, actividade e artefactos.
Esta exposição conta com contribuições de Maria Reis (a partir de poemas da Virgínia Dias), Filipe Felizardo (a tocar para Francisco dos Reis) e Vasco Lé Dias, e cópias fac-símile de ensaios de Dulce Simões, Mário Vieira de Carvalho e Airton Caesar Monteiro.
João Polido Gomes é um compositor e artista da Marinha Grande, residente em Lisboa e estudante no Dutch Art Institute (2020-2022). Edita e interpreta música sob o nome de Polido. Edições musicais recentes incluem Sabor A Terra & A Casa E Os Cães (Holuzam, 2020) e Música Livre/Free Music (edição de autor com apoio da Spirit Shop, 2019). Colaborou como director de som e/ou compositor para os filmes de Louis Henderson, Madalena Fragoso e Margarida Meneses, Romana Schmalisch & Robert Schlicht, Filipa César e Marte Eknæs & Michael Amstad. O seu trabalho foca-se principalmente sobre o som como material e instrumento para abordar e articular questões de linguagem, arquivo ehistórias da música, através da montagem e dissecação via técnicas digitais de processamento de som.
Louis Henderson é um realizador e escritor que experimenta trabalhar de diferentes formas com pessoas para debater e questionar a nossa actual situação global definida pelo capitalismo racial e as sempre presentes histórias do projecto colonial europeu. Desde 2017, Henderson tem trabalhado como o grupo de artistas The Living and the Dead Ensemble. Sediados entre o Haiti e França, este colectivo foca-se no teatro, na poesia e no cinema. A primeira longa-metragem do grupo foi galardoada com o menção especial FIPRESCI, no 70º Festival Internacional de Cinema de Berlim. O seu trabalho tem sido mostrado em diferentes festivais internacionais de cinema, museus de arte e bienais e é distribuído pela LUX e Video Data Bank. Vive e trabalha em Paris.
Exposição
28 Jun – 30 Jul 2021