SARA RODRIGUES & RODRIGO B. CAMACHOTerra Quente

Exposição
17 Out – 14 Nov 2020

Inauguração 
Sábado, 17 de Outubro 2020, 15:00

Entrada gratuita

NA SUA OPINIÃO, A AGRICULTURA PORTUGUESA PERDEU OU GANHOU?

Eu penso que as questões não se podem colocar em termos tão simplistas.

O setor agroindustrial português era um setor, sobretudo em termos comparativos com a Europa, praticamente inexistente. Quando cheguei a Portugal senti o choque desse atraso; um atraso que era tecnológico, económico, social, cultural. Antes da adesão em 1986, não tínhamos nenhuma estrutura de abate de gado em condições. Não tínhamos, o que se chama, uma ‘indústria agro-alimentar’. Tecnologias de produção muito antiquadas e com baixos níveis de produtividade. Estamos a chegar a um tempo em que vamos ser forçados ou obrigados a alterar muitos dos nossos hábitos tradicionais e comportamentos na agricultura. Há representações sociais na maior parte dos agricultores portugueses que os levam a prenderem-se à terra de uma forma, por vezes, pouco racional.

Que se investisse, que se modernizasse, e que isto fosse feito depressa. Queremos uma agricultura mais moderna e desenvolvida, com melhores infraestruturas. Que a agricultura portuguesa tenha progresso! Em termos de equipamentos, em termos de maquinaria, em termos de irrigação, em termos de infraestruturas agrícolas. Instalarem-se, para além disso, pomares e vinhas modernas. Que nos traga o que é moderno! Aumentar a taxa de modernização das explorações, através da aquisição de tractores e de outros equipamentos mecânicos. Tecnologias, as mais diversas, que são suscetíveis de modernizar. Sempre, e só, em termos de modernização. Quer no campo das estruturas de produção, quer no campo das tecnologias, quer no campo das infraestruturas.

As explorações agrícolas cresceram 300%, a agro-indústria 600%! Temos um setor industrial forte, saudável e competitivo. Apesar de tudo, e de todos os estrangulamentos, somos competitivos! Não há nenhuma razão para se admitir que eles não possam ser competitivos! Temos uma indústria perfeitamente apetrechada, sob o ponto de vista tecnológico, para concorrer com as suas congéneres europeias. Temos o país coberto com estruturas de abate; com matadouros suficientes para apoiar o regular escoamento da nossa produção. Sofisticadas tecnologias, a que só um número limitado de empresas têm acesso.

O que o progresso técnico jamais resolverá e os agricultores não podem ultrapassar é a desigualdade de condições económicas e institucionais a que estão sujeitos. [Estragos na vontade e na moral de muitos agricultores]. Estamos ainda longe de acompanhar a expansão, os progressos técnicos e a organização verificados noutros países da Europa. Deixámo-nos atrasar relativamente aos nossos parceiros da União Europeia e aos chamados ‘Novos Produtores Mundiais’. Hoje em dia, a nível europeu, a distribuição alimentar está concentrada em 4 ou 5 cadeias multinacionais. Como é que Portugal, como um pequeno país, com as suas fragilidades, pode sobreviver num contexto comercial tão agressivo? A agricultura portuguesa não tem condições para ser competitiva e, por tanto, não vale a pena continuar a apostar na sua modernização.

A Europa produzia um excesso de trinta e três milhões de toneladas de carne, várias centenas de milhares de toneladas de leite em pó, entre muitos outros produtos alimentares. Portugal é dos países em que mais vinho se consome. Na última década, assistiu-se a um crescimento contínuo do consumo de leite em Portugal, um nível de consumo já comparável com o de outros países europeus. A comunidade decidiu baixar os preços dos cereais, das oleaginosas, da carne e do leite: “Vamos controlar os excedentes através de uma redução de preços e depois o mercado controla a produção...” Depois da nossa adesão à CEE, o saldo negativo do comércio externo aumentou. Importamos essencialmente bananas, maçãs, pêssegos, laranjas, mas também batatas, cebolas, tomates, cenouras. A integração fez-se em condições em que, de facto, hoje, o mercado dos produtos alimentares em Portugal está completamente invadido. Portugal sempre produziu cereais! Hoje, embora com oscilações anuais, pode dizer-se que raramente produzimos internamente mais de 40% dos cereais que consumimos. Portugal perseguiu, sem sucesso, o mito da auto-suficiência neste setor.

Muitos pequenos produtores, que não conseguiram acompanhar esta evolução, viram-se obrigados, nos últimos anos, a abandonar a atividade. As grandes oportunidades futuras estão, sem dúvida, mais ligadas aos serviços do que à produção. O número de agricultores diminuiu de forma substancial, o que é normal num processo de desenvolvimento. A produtividade do trabalho agrícola aumentou expressivamente. Infelizmente, muitos agricultores estão também mais pobres e mais inseguros do que há dez anos atrás. A comunidade rural será afetada com isto, é que não é só o agricultor. A atividade do agricultor é essencial para manter toda a gente. Há toda a comunidade que vive da atividade do agricultor.

O ‘Mercado da Terra’ é um mercado que não está a funcionar em Portugal, precisamente porque há ligações à terra que não são exclusivamente económicas. Hoje, temos que começar a produzir para um mercado que é europeu, que é internacional, e o mercado é um mercado global e, portanto, Portugal tem que estar como os outros nesse mercado. Corremos o risco de termos obra muito bonita, mas não sabermos vender e, por isso, as empresas, mais tarde ou mais cedo, fecham as portas. Hoje, cada vez mais, é importante conhecer o mercado; tem que se ter boas relações com esse mercado; saber quais são as condições que esse mercado exige; produzir orientado para esse mercado e ter bons canais de escoamento, e atualmente posso-lhe dizer que em todas as prateleiras dos grandes supermercados de Inglaterra há Pêra Rocha!

Infelizmente para a nossa agricultura, as regiões onde a chuva é mais abundante e o clima é moderado pelo oceano, escasseiam as terras e sobram as gentes e as montanhas. Unidades produtivas de insuficiente dimensão. Onde a água é rara e o clima excessivamente quente, sobram as terras e escasseiam as gentes. O subdesenvolvimento e o atraso da grande maioria das zonas rurais, o contraste entre as pequenas explorações agrícolas, orientadas para o autoconsumo, e as grandes empresas agrícolas viradas para o mercado. Ora, é através da criação de noções de mercado, também, que poderemos contribuir para a regularização da dimensão das explorações agrícolas. Nós, hoje em dia, temos bastante menos explorações agrícolas do que tínhamos em 1985-86, o que é assim, portanto, positivo.

Muitos dos que me ouvem perguntarão, com lógica: “então se assim é, porque é que os agricultores não fazem outra coisa?” Um dos mais importantes factores do desenvolvimento da agricultura portuguesa é a preparação de um novo tipo de agricultor. É fundamental dar formação especializada – instrução básica, em primeiro lugar – dar educação e dar formação profissional. Nós temos que formar jovens para a agricultura de acordo com este novo padrão. Deixem os vossos empregos e experimentem ser agricultores, nessa altura poderão fazer a prova se podem ou não viver sem subsídios.

A maior parte dos agricultores vivia de um saber feito de experiência própria; aprendiam artesanalmente com os seus antepassados. As pessoas estavam habituadas a viver com a seca, mas hoje já não reconhecem aquilo que lhes foi transmitido pelos pais e pelos avós.

Este texto foi integralmente composto por transcrições, provenientes de entrevistas, debates e reportagens do programa televisivo “A Terra e os Homens”.

Folha de sala

Exposição
17 Out – 14 Nov 2020

Inauguração 
Sábado, 17 de Outubro 2020, 15:00

Entrada gratuita