SEBASTIÃO RESENDEQuando se extinguiram o espaço ficou vazio

Exposição, Fora de Portas
9 Mar – 15 Abr 2019

Inauguração:
Sábado, 9 Março 2019, 15:00

Entrada gratuita
Casa das Artes - Rua Ruben A, 210 Porto

Metáforas da extinção

Óscar Faria

Para inaugurar um ciclo intitulado “Animalidades e outras botânicas”, organizado pelo Sismógrafo, nada melhor do que uma exposição cujas personagens principais são o bicho-da-seda e a folha da amoreira branca, pois o primeiro não sobrevive sem a segunda, criando-se assim uma relação de dependências entre o animal e a árvore. Crê-se mesmo que esta situação foi artificialmente criada pelo homem, uma domesticação através da qual se consegue obter um precioso fio, protagonista durante séculos de várias rotas entre o oriente e o ocidente.

Neste caso, esta história tem uma outra derivação, pois trata-se de um projecto de Sebastião Resende, iniciado em 2004, agora concluído. O artista decidiu construir uma série de maquetas de espaços museológicos e fê-los habitar pelo bicho-da-seda. Essa foi a forma escolhida para seguir todo o processo de reprodução e transformação do ovo em casulo, da larva até ao eclodir da mariposa, a “bombyx mori”, ou seja, bicho-da-seda da amoreira.

O processo foi longo e resultou numa vasta série de trabalhos que, para além das maquetas, inclui fotografias, vídeos, trabalhos sonoros, desenhos e ainda a publicação “Fecit Potentiam”, através da qual se procurou dar continuidade à primeira apresentação pública do projecto, que teve lugar no Sismógrafo, Porto, em 2014. O ciclo do bicho-da-seda ocorre sensivelmente num espaço de um mês e meio. Sem capacidade de voar, e enquanto mariposa deixando de se alimentar, procurando apenas pôr ovos de modo a assegurar a sobrevivência da espécie, a vida da “bombyx mori” é breve.

Na Casa das Artes, decidimo-nos pela apresentação de todas as maquetas realizadas no âmbito deste projecto, nove na totalidade, uma decisão para a qual pesou o facto deste espaço ter sido desenhado por Eduardo Souto Moura. Estes trabalhos de Sebastião Resende podem ser interpretados como objectos híbridos, mutantes, que convocam não só várias artes – escultura, pintura, arquitectura –, mas também uma série de reflexões relacionadas quer com a ruína do museu, quer com a extinção das espécies, formando assim um quiasmo, um cruzamento de termos que nos coloca perante a crise actual, cultural e ambiental, duas faces da mesma moeda.

A primeira maqueta, apresentada publicamente em 2014, foi a do Museu de Arte Contemporânea de Serralves, no Porto. A ideia utópica do espaço museológico como repositório de obras, que aí prolongam a sua existência no confronto com o público, formando nesse público um espírito crítico, tem vindo a ser progressivamente abandonada em favor de uma outra perspectiva, sobretudo associada às indústrias criativas e às políticas económicas. Já então, há cinco anos, quando olhávamos para o objecto de Sebastião Resende, para o resultado da passagem do bicho-da-seda por ele, não podíamos deixar de ver um túmulo com os vestígios dos seus habitantes, com os despojos de um qualquer desastre: ecológico, cultural, político…

A ideia de ruína ganhou força nas restantes maquetas entretanto realizadas. Para além disso, agora, vistas em conjunto, elas surgem aos nossos olhos como uma espécie de naves espaciais, naves que transportam consigo o desejo de uma mutação radical do actual estado do planeta Terra. Há assim, nestes labirintos erguidos em cartão e fita, a vontade de encontrar uma saída, seja aqui, seja numa outra constelação, em que as espécies e as artes sejam defendidas de quem permanentemente apenas vê o lucro diante dos seus olhos. Os domesticados bichos-da-seda exigem regressar à sua natureza selvagem, até porque, quando são criados no âmbito da sericultura, as larvas morrem dentro dos seus casulos, sem nunca se completar a metamorfose, sem nunca chegarem a mariposas.

Uma série de desenhos completa a exposição “Quando se extinguiram o espaço ficou vazio” – título que parafraseia um poema de José Tolentino Mendonça –, tratando-se, neste caso, da preservação da memória, da evocação dos momentos que marcaram o processo de trabalho: desde larvas que morreram antes de terem concluído o seu processo de transformação, até aos resquícios das folhas de amoreira depois de terem sido comidas pelo bicho-da-seda.

O ciclo “Animalidades e outras botânicas” pretende, assim, trazer para o primeiro plano uma reflexão sobre a forma como a arte tem vindo a criar novos espaços para o debate, para o diálogo entre natureza e cultura, para esse encontro entre as espécies, incluindo-se nesta proposta, entre outras, as ideias de Donna Haraway, Timothy Morton, Bruno Latour, Paul B. Preciado, Edward Osborne Wilson, Thoreau, e os poetas W. S. Merwin e Gary Snyder e a sua “ecologia profunda”, que no prefácio ao seu livro “A prática da natureza selvagem” (edição portuguesa, Antígona, 2018) escreve: “O mundo selvagem – frequentemente depreciado como caótico e brutal pelos pensadores ‘civilizados’ – é na verdade imparcialmente, implacavelmente, belamente formal e livre. A sua expressão – a riqueza da vida animal e vegetal no globo, que inclui as tempestades, os vendavais, as calmas manhãs de Primavera, e nós próprios – é o mundo real, a que todos pertencemos”.

ANIMALIDADES E OUTRAS BOTÂNICAS

Ciclo de exposições

O ciclo “Animalidades e outras botânicas” pretende trazer para o primeiro plano uma reflexão sobre a forma como a arte tem vindo a criar novos espaços para o encontro entre as espécies, nessa tentativa de aproximar natureza e cultura, incluindo-se nesta proposta, entre outras, as ideias de Donna Haraway, Timothy Morton, Bruno Latour, Paul B. Preciado, Edward Osborne Wilson, Henry David Thoreau, e os poetas W.S. Merwin e Gary Snyder e a sua “ecologia profunda” que, no prefácio ao seu livro “A prática da natureza selvagem” (edição portuguesa, Antígona, 2018), escreve: “O mundo selvagem—frequentemente depreciado como caótico e brutal pelos pensadores ‘civilizados’—é na verdade imparcialmente, implacavelmente, belamente formal e livre. A sua expressão—a riqueza da vida animal e vegetal no globo, que inclui as tempestades, os vendavais, as calmas manhãs de Primavera, e nós próprios—é o mundo real, a que todos pertencemos.”

Sebastião Resende tem estado activo em diversos media desde 76, nomeadamente em escultura,
fotografia, desenho, pintura e edição serigráfica, tendo recebido alguns prémios em contexto nacional e internacional, o mais recente o Prémio Amadeo de Souza-Cardoso. Realizou 27 exposições individuais de que se mencionam as mais recentes:
“Sobre a Terra Fendida Uma Chama”, Museu da Guarda (2018),  “Neste Ninho de Vespas”, Sismógrafo, Porto (2017), “Fecit Potentiam”, Sismógrafo, Porto (2014), “Sem Retorno”, Museu da Luz, Mourão (2012), “The Lying Chair”, Galeria Quadrado Azul, Lisboa (2012), “Naufrágio Pluma”, Galeria Quadrado Azul, Porto (2009), “Tem nos Olhos o Tempo Simultâneo” (2007), O Espaço do Tempo, Montemor-o-Novo, “Sem Título Tranquilo III” Galeria Quadrado Azul, Porto (2003).

Folha de sala