O SOL SEGUIDO DE O MAIS VELHO, DA OVELHA E DE THE ORIGIN (ON AND ON), CONDUZIDOS POR KLECKS KLECKS.Curadoria de Pedro Huet

Anna Szaflarski & Remko van der Auwera, João Gil, Rita Caldo, Rudi Brito

Exposição, Fora de Portas
6 Nov – 31 Dez 2021

@ Casa das Artes
Rua Ruben A, 210. Porto
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Terça a Sexta-feira
10:00–12:30 / 14:30–18:30
Sábado 14:30–21:00
Domingo e Segunda 14:30–18:30

Entrada livre

Uma exposição que é uma cidade. Uma cidade que não tem nome, que se define, por enquanto, por aquilo que a pauta: o sol, o mais velho, a ovelha, as the origin (on and on) e o klecks klecks. É de forma inversa à orientação do título (que não o é) que podemos, também, começar a caminhar. Uma cidade é invariavelmente definida pelas estruturas que a acompanham e que delimitam o espaço que nos pertence a todos daquele que pertence só a alguns. Sorte a nossa, que aqui nenhuma parede nos pertence e que todo o espaço interior nos é dado para girar. Ainda assim, outras paredes se impõem, definindo orientações, criando ângulos mortos, abrigando-nos em e expondo-nos a tudo aquilo que se pode, em teoria, descobrir num passeio urbano.

⌢ sabia que, desde sempre, de tempos a tempos, as manchas lhe batiam. Fascinava-lhe a dimensão figurativa que lhes podia imprimir – no céu ou na água, no café ou no vinho, nas paredes ou no chão. ⌢ estava também certo de que isso era algo comum a outros de outros tempos e lugares. A dimensão da mancha como lugar de fascínio e confronto, ambas na mesma proporção – a do acaso. Era nessa condição que procurava os demónios pessoais que atormentavam os seus pensamentos, uma maneira de lhes imprimir uma forma. Foi também essa lógica que levou Justinus Kerner, em 1857, a publicar Klecksographien, uma compilação

↩︎ falava das manchas destas arquitecturas equiparando-as às sombras das pessoas. Indissociáveis dizia. Camufladas pelas diferentes tonalidades de todas as superfícies, estas manchas tornavam-se só isso, manchas. Mas não o eram. Como as sombras que nos acompanham nos passeios pelas ruas, estas formas são marcas de tantos tempos num pedaço tão pequeno de superfície. Como os borrões de Klecks Klecks nos contam histórias, aqui, ao contrário de em Klecks Klecks, estas serão mais sobre um passado que não vivemos e menos sobre um demónio que idealizamos. Uma espécie de origem que se aproxima e desaproxima e encontra e desencontra como João Gil faz questão de manifestar. O estado de ⌢ tinha mudado completamente desde a chegada de ↩︎. Vivia uma viagem completamente diferente. Viajavam neste momento para outros momentos. Momentos para lá das sombras, ou das primeiras representações destas. As amonites faziam da representação uma outra coisa, um acaso como os borrões anteriores, mas, ainda assim, uma representação não planeada, uma imagem-viagem até um passado tão longínquo que não imaginamos. Este processo de milhões e milhões de anos acabara brutalmente cortado a meio, ou a mais do que a meio até, depois de extraído do solo. The origin (on and on) trazia em si uma outra noção de tempo destas imagens. O processo identificar > disparar > revelar > projectar > observar trazia-lhes à memória o aparato das primeiras imagens que viram projectadas, mas relembrava-lhes de como nesse círculo elas sempre reapareciam, reinventavam-se. Tempos depois de se terem encontrado, tanto tempo que o Sol aparecera, ⌢ e  ↩︎, abraçados pelos caminhos percorridos até então, pararam.

Observados na retaguarda, num plano superior, por um corpo estranho, ⌢ e  ↩︎ tiveram a primeira sensação de verticalidade desde que se haviam encontrado. Até então tinham feito caminhos horizontais, em travessias por cronologias de tempo, ou levitado pelo fascínio dos sobressaltados demónios e imagens que carregam. Nesta cidade-cave, ainda não se tinham apercebido da verticalidade inerente ao local onde estavam. A sensação de estarem a ser observados levou-os a ponderarem olhar à sua volta, num movimento giratório de 360º. Ao voltarem-se para trás, perceberam o que era esse corpo que os observava desde que ali haviam chegado. Pontos pequenos, pixéis primitivos que, todos juntos, formavam linhas, que por sua vez formavam formas e que não se imiscuíam de retirar todo o ruído de sua face, de forma a deixar visível somente a informação estritamente necessária para si e para a sua relação com os outros. Esse trabalho de edição levou que tempos a fazer e cada um desses pontos era também uma medida desse tempo. Só por isso já se percebia que este encontro era o mais velho que já tinham tido com alguém em todo o caminho. Sensação bizarra essa de ser observado. Agora que o acercaram, pairava sobre eles o corpo maleável, petrificado ali em cima. Depois de uma dança nos limites, aterrou naquele pedacinho de espaço familiar. Estes pontos todos, que ⌢ e  ↩︎ já tinham percorrido, e que agora estavam ali, na cara de o mais velho que a Rita Caldo tinha trazido para esta festa. Que trip!!

  • Mas ele está a voar? – perguntava ↩︎ a ⌢.

⌢ que não tinha respostas, achava que o mais velho só podia ser um fantasma, uma imagem desses demónios ou inquietações. Um revirar do interior para o exterior. Petrificados por tal aparição, à memória de ambos vinham as velhas de Kharms. Contudo, ao contrário das velhas excessivamente curiosas de Kharms, este não caía.

  • Mas porquê? Como é que ele não cai? – continuava ↩︎ a questionar-se. – As velhas, todas, em catadupa caiam. Uma a seguir à outra e só pararam de cair depois de Kharms se ir embora…

⌢ que continuava sem respostas, pensava na outra velha. A que lhe aparecia sempre no quarto mesmo que morta… mas ambos decidiram torcer-se uma outra vez e voltaram a mirar o Sol. Deixaram para trás o mais velho, mais ainda se haveriam de cruzar mais tarde. O sol. Mesmo a esta cidade-subsolo o sol chegara e não se limitava a aparecer. Marcava um horizonte, ao fundo, posicionando-os numa espécie de miradouro onde o poderiam observar. Este sol omnipresente dava-lhes a possibilidade de poderem observar um abraço. Eles que ainda há pouco se abraçavam.  

Este sol que miravam deixava-lhes essa imagem gravada nos seus olhos como quando olhamos de frente para uma fonte luminosa e ficamos com uma forma retida. Tinha esse recorte de uma forma, como várias pinturas do Rudi Brito o têm, delimitada pelas personagens e não por uma linha recta, mas estava re-enquadrada num quadrado, re-re-enquadrado num outro quadrado, re-re-re-enquadrado num rectângulo. Como um ponto de luz que aparecia por entre todas estas linhas delimitadoras. O Sol tinha escapado do horizonte e deixava aqui só as formas que iluminara. As que um olhar retém e replica. Os contrastes eram grandes e essa imagem que ficara era ambígua. Podiam ser tantos tipos de abraços. Mas que abraço seria este que ↩︎ e ⌢ encontraram ao voltarem-se para o sol? Depois de algum tempo, perceberam que também o mais velho parecia mirar este abraço. Estaria ele então sobre eles ou sobre o abraço? Era este abraço a solução de todos os fantasmas que tinham percorrido até então? Seria a grand finale? As pinceladas que o construíam eram como que manchas que construíam formas, mais definidas que os borrões anteriores, mais contrastantes que os fósseis observados, mas ainda assim ambíguas na indefinição que causaram em ambos. E quando pensavam que a sua pequena viagem estava a chegar ao fim,  ⌢ e ↩︎, ouvem, vinda de trás, uma voz.

☋ estava felicíssima por ter encontrado ambos de uma só vez. Ainda em apoteose com o que havia visto, falara-lhes da ovelha, companheira de o mais velho e que se tinha enchido de forças e caminhado por toda a cidade, no 6 de Novembro, abandonando a pele numa cadeira às portas do labirinto e fora à sua vida com outro coordenado, subindo calmamente as escadas de volta ao patamar de entrada para todos os outros edifícios.

Pedro Huet

Biografias

Rudi Brito (Lisboa 1988) licenciou-se em artes plásticas nas Caldas da Rainha. Mudou-se para Glasgow onde aprofundou o seu interesse pelas artes performativas e onde exibiu o seu trabalho em espaços tais como o CCA (Centre for Contemporary Arts), Glue Factory e Cafe Oto. Recentemente voltou a enraizar-se em Lisboa onde tem demonstrado forte proliferação tendo, num curto espaço de tempo, completo uma residência na Thirdbase, iniciado um colectivo de curadoria (‘Purga’, em colaboração com Isabel Cordovil) e participado na exposição sonora intitulada ‘Audiosphere’ no Museu Reina Sofia, Madrid. 

Rita Caldo nasce em Janeiro de 1998, no Porto. Cresce entre Zebreiros, Esposade e a baixa. Ultimamente agarra-se à ideia da necessidade inata da produção para explorar as suas próprias temáticas sendo que a escolha deliberada de um assunto concreto lhe parece, muito honestamente, despropositado. Mesmo assim, certos temas surgem sem convite, impondo-se. A Narrativa, o Espaço e a Figura. Narrativas espontâneas que ainda não decifrou. Só aparecem. E pedem relevância. Espaço criado e alterado. Espaço relevante invés de ignorado. Espaço pelo gesto também. E Figura. Figura como base para o resto. Como personificação dos restantes conceitos, os quais dela dependem. Mimo, o mimo cria espaço pela mímica, pelo gesto. Faz parte do Coletivo Celestial cujo atelier não pode ser encontrado neste plano de existência mas sim na realidade reservada a irmãs confinadas. Faz sopa como resposta aos anseios inesperados, magoada ela alimenta.

João Gil (Lisboa, 1989) é um artista e investigador, que recentemente que regressou a Lisboa, Portugal. Estudou Pintura na Faculdade de Belas Artes de Lisboa entre 2008 e 2010. Fez a sua licenciatura na ESAD.CR em 2013, e concluiu o Mestrado em Design Industrial na Universidade de Central Saint Martins em Londres em 2016. O seu trabalho foca-se em locais – físicos e conceptuais – onde procura desconstruir tensões de agentes socioculturais, políticos e tecnológicos com a paisagem, para uma compreensão pós-antropocêntrica de lugar, tempo e história. Esta prática é profundamente baseada numa investigação quase-arqueológica, onde a prática artística e a documentação se entrelaçam com o arquivo em movimentos circulares, poéticos e cinemáticos, tecendo-os em narrativas sensoriais, ambíguas e fragmentadas. 

Anna M. Szaflarski (Canada, 1984) vive em Berlin, Alemanha. Trabalha entre a escultura, o desenho, a instalação e o livro. O seu trabalho cruza narrativas autobiográficas e históricas, explorando tópicos como ansiedades sociais de partilha de espaço, políticas feministas de limites do corpo, violência doméstica e dinâmicas de hierarquias de estruturas de poder. Os seus projectos mais recentes incluem exposições na Klosterruine Berlin, Kunstverein Göttingen, Reutlingen Kunstverein, Vernacular Institute (Mexico City) e na Ashley Berlin. Recentemente publicou Very Normal People (2019) e Letters to the Editors (2016), co-publicado pela AKV Berlin e Bom Dia Boa Tarde Boa Noite Verlag. 

Remko Van der Auwera vive e trabalha em Berlim, é um artista multidisciplinar e a sua prática centra-se em instalações e meios digitais. Geralmente, move-se no meio da arte contemporânea por intermedio de colaborações com outros artistas e é um dos membros fundadores dos SoilCollective, um grupo de quatro pessoas que se movimenta entre a curadoria e a prática artística. Projectos recentes incluem ‘Wood and clay will wash away’ (SOX, Berlin, DE) e ‘These Transient Joys Will Fade All Too Soon’ (Flagge Zeigen, Berlin, DE)

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6 Nov – 31 Dez 2021

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Sábado 14:30–21:00
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