JOÃO PEDRO TRINDADEUnder the rug

Exposição
5 Mar – 9 Abr 2022

Abertura
Sábado, 5 Março 17:00

Entrada gratuita

Fragmentos da rua, pinturas monocromáticas e sobreposições expandem-se no Sismógrafo. Os tapetes recolhidos por João Pedro Trindade passaram de um plano horizontal para um plano vertical. A cor flutua livremente. A leitura torna-se prismática. Surgem múltiplas combinações, “reflexos recíprocos” (Mallarmé), diferentes cortes temporais. Deixa de existir um “para trás” e um “para a frente”. Na linearidade, irrompe um tempo vertical, um “agora”. Ao primeiro olhar, todos os tapetes se parecem. Um prolonga o outro. Estão unidos por um parentesco subtil, mas chegaram de cidades diferentes, de ruas diferentes. Têm diferentes formas, fronteiras porosas, limites indefinidos. São pedaços de história, presença do qualitativo, irrepetíveis. Como podem parecer tão idênticos quando são tão diferentes? De um lado, revelam-se opacos. Do outro, transparentes. Vermelhos, amarelos, laranjas, verdes, a luz atravessa-os. São memória de quem passeia pela cidade, do alvoroço, do consumo. Tornaram-se fósseis da vida moderna, do que ficou nas margens, escrita do que perdeu a cor. João Pedro Trindade mergulha no mundo material onde se inscreve secretamente uma promessa utópica. Deambulando pelas ruas, entrega-se ao mundo urbano em constante mudança. Nada escapa ao seu olhar. Colecciona evidências. Recolhe restos do mundo industrial. Resgata fragmentos quebrados, abandonados. Trata de encontrar uma “imagem verdadeira”, traços do transitório. Under the rug [Debaixo do tapete] chega-nos no seguimento dos trabalhos de João Pedro Trindade produzidos a partir de transferências para alumínios, modelações em plásticos, madeiras, embalagens e papéis. Trabalhos que reconfiguram os espaços, os volumes, que deslocam a percepção dos objectos, trabalhos que recuperam a memória sedimentada em velhos cartazes ou revelam a transparência das imagens. Entramos no Sismógrafo e vemos o avesso dos tapetes, o que na rua ficou escondido. Tudo nos parece familiar. Reconhecemos imediatamente o tapete vermelho, solene. O tapete da moda. Mas, afinal, tudo é uma ilusão. O que pretendia dar cor à rua esbateu-se. O instante de ficção desapareceu. A tela está gasta, rota. Restam os vestígios, as ausências, as marcas dos passos da multidão, dos vasos que pretendiam transformar a rua em jardim, da borracha dos pneus da bicicleta, os vestígios da calçada, barcos, peixes, figuras negras. O novo radical e o novo da moda não são idênticos. A moda é repetição do mesmo, brilho passageiro, “paródia de um cadáver alegremente adornado” (Walter Benjamin). A moda é aliada do esquecimento. Under the rug mostra-nos o novo como a parte perecível das coisas, mostra-nos que o melhor do novo corresponde a velhos desejos, ao que ficou por cumprir, mostra-nos que o novo é ruptura da sucessão temporal, redescoberta, memória. Os tapetes de João Pedro Trindade são testemunhos involuntários, história imanente, recordação do possível. Falam-nos da perda, da destruição. O desgaste e as sobreposições vão construindo imagens. Imagens que nos dizem o que somos e nos seduzem com o que poderíamos ser. Imagens que nos abrem um mundo dentro do mundo. O vermelho vivo transforma-se em amarelo, num quase laranja. Há marcas como na escultura ou na gravura. Transparências e sobreposições como na pintura. Linhas, traços involuntários, rasgões, cicatrizes. Vestígios de um mundo que desapareceu, de uma vida em comum. Formas mudas, traços de uma felicidade que não chega. Devemos ler os indícios, seguir as pistas, como o adivinho que segue as linhas mais discretas da mão ou lê o futuro na borra do café, como o detective que atende ao detalhe para restabelecer a verdade dos factos, como o médico que se aventura num diagnóstico, como as personagens de Balzac que interpretam o que se encontra encoberto no domínio público ou descobrem o carácter de um estranho através dos pequenos detalhes da vestimenta, dos botões, da dobra de uma manga ou do corte de um casaco. Balzac fala-nos da fisionomia das ruas, das marcas nas superfícies que nos dão pistas sobre a vida dos estranhos. Convida-nos a descobrir a história de uma família através da presença do pêlo de gato na almofada ou das manchas no tapete. Tal como o adivinho, o detective, o médico ou Balzac, João Pedro Trindade sublinha as características menos evidentes, os elementos que geralmente passam inadvertidos. Em Under the rug, os pequenos gestos involuntários são reveladores. Não são marcas óbvias. Mobilizam os nossos sentidos, as nossas experiências, a nossa memória. Esta exposição desafia-nos, não a encontrar o que já sabemos, mas a atender ao recusado, ao inintencional, a mergulhar nas coisas secretas, ocultas. Próximos e longínquos, claros e enigmáticos, estes tapetes parecem-se a um puzzle cuja imagem se perdeu, tornam-se hieróglifos, cuja chave João Pedro Trindade nos desafia a encontrar.

Emídio Agra

João Pedro Trindade (Aveiro, 1990) é artista visual e membro do Teatro de Marionetas do Porto, onde executa trabalhos de construção de marionetas, adereços e cenários. A sua obra conta com a utilização de vários meios como a pintura, escultura, instalação e fotografia. Tem vindo a colaborar em projectos de desenvolvimento e divulgação cultural na cidade do Porto desde 2012, como a Painel e a Nartece; actualmente é membro da equipa do Sismógrafo. Expõe regularmente desde 2012 em exposições colectivas e individuais, das quais se destacam: e... e... e... o que cresce entre, e no meio das outras coisas, L+S Projects; à fina força, Sismógrafo; Tirado do sério, Anozero: Bienal de Arte Contemporânea de Coimbra; Anuário 19, Galeria Municipal do Porto; Pictures and Cream. The Confidential Report of the Life and Opinions of Tristram Shandy & Friends, Volume 1, Cristina Guerra Contemporary Art; Uma linha dividida em duas partes, Kubikgallery e Delimitação da escala, Galeria Painel. 

Folha de sala

Exposição
5 Mar – 9 Abr 2022

Abertura
Sábado, 5 Março 17:00

Entrada gratuita