Geografia do Risco
Exposição
14 Dez 2018 – 11 Jan 2019
Inauguração:
Sexta-Feira, 14 Dezembro 2018, 22:00
Entrada gratuita
Geografia do Risco
Martinho Mendes
I think natural disasters have been looked in the wrong way. Newspapers always say they are bad, a shame. I like natural disasters and i think that they may be the highest form of art possible to experience. For one thing they are impersonal. I don´t think art can stand up for nature. Put the best object you know next to the Grand Canyon, Niagra Falls, redwoods. The big things always win. Now just think of a flood, forest fire, tornado, earthquake, typhoon, sand storm. Think of the breaking of the ice jams. Crunch. If all of the people who go to museums could just feel an earthquake. Not to mention the sky and the ocean.
But it is in the unpredictable disasters that the highest forms are realized.
They are rare and we should be tankful for them.
Walter De Maria, “On the importance of Natural Disasters”,1960
As referências ao mundo natural, e aos fenómenos a ele associados, têm sido frequentes no trabalho de Martinho Mendes, onde se percepcionam as influências que os espaços percorridos no espaço arquipelágico e insular, habitado pelo artista, exercem sobre as suas pesquisas e modos de produção artísticos. A paisagem da Madeira tem sido uma temática constante na sua investigação plástica e tem assentado nas relações entre imagem e território, onde tanto se dá a ver a construção de um olhar endémico, sobre os lugares físicos e culturais da ilha, como surge, também, inscrita numa perspetiva mais global, que evoca as tensões, as consequências e desafios da ocupação humana no planeta.
Geografia do Risco retoma alguns destes tópicos. Por um lado os trabalhos apresentados propõem uma narrativa que invoca a memória do assombro, da contemplação e do confronto sublime com natureza e as paisagens culturais, construídas no arquipélago de orografia acidentada, ao longo de quase seis séculos. Por outro, a abordagem à vulnerabilidade, ao perigo natural e aos desastres são também aqui evocados a partir da interpretação de fenómenos locais, cada vez mais frequentes a uma escala planetária e caraterizadores do Antropoceno.
O primeiro núcleo da exposição apresenta, ao fundo da primeira sala, um desenho de grande formato que se impõe no espaço, desde logo, pela intensidade do azul. Este trabalho, de 2011, parece representar, à primeira vista, o mapa aéreo de um complexo arquipélago banhado pelo mar. Trata-se, na verdade, da representação simplificada de uma espécie botânica que, pela sua condição de endemismo, adquire uma vertente metafórica de representação da ilha de onde é originária e exclusiva.
A espécie representada é o massaroco de litoral (Echium nervosum) que os ingleses denominam de “orgulho da Madeira”, conjuntamente com a espécie de montanha (Echium candicans) e, por extensão, à espécie exclusiva da ilha de Porto Santo (Echium portosanctensis), uma vez que a exuberância tonal e formal das inflorescências destas plantas de porte arbustivo, foram interpretadas pelo olhar do viajante como verdadeiros motivos de referenciação e identidade do lugar, implicando o regozijo vinculado à fruição estética das paisagens, por todos aqueles que habitam aquelas ilhas.
Foi também pelo olhar dos viajantes europeus que, a partir do século XVIII, e com maior intensidade a partir do século XIX, a Madeira passou a ser vista, quer na literatura de viagem, quer nas inúmeras gravuras que circularam pela Europa, como um local idílico, romântico, de paisagens contrastantes, exóticas, sublimes, com vales profundos e verticais, fecundos, quer na biodiversidade do ecossistema, quer no número de miradouros que davam a possibilidade de contemplar, com segurança e à distância, os panoramas e as belas vistas.
A Vista do Cabo Girão, Câmara de Lobos, um pequeno postal impresso na década de 1950, que inicia a exposição, mostra, partir da blocos rochosos que deslizaram da vertente abrupta e instável sobre a praia de calhaus rolados, que a fruição da diversidade geomorfológica da colossal arriba sobre o mar, implica reconhecer a simultânea existência de riscos naturais que se colocam às comunidades que aqui sempre vieram.
Apesar da distância técnica e temporal das litrografias da ilha feitas por Willian Westall (1781-1850), James Bulwer (1781-1850), Frank Dillon (1822-1909) ou Andrew Picken (1815-1845), este postal representa a mesma grandiosidade paisagística, sublinhada pelo perigo sobranceiro, difundidos nas imagens do século XIX. O exposição “Geografia do risco” é também uma forma de abordar as problemáticas desta mesma paisagem diversa, embora recorrendo a uma encenação expositiva que coloca em diálogo objetos aparentemente diferentes entre si.
Os desastres naturais na Madeira têm sido registados desde que a ilha começou a ser habitada no século XVI, sendo os mais comuns as derrocadas/quebradas, as aluviões e os incêndios e, em menor registo, os terramotos e os maremotos.
O território capturado na imagem do postal foi, por exemplo, local de inúmeros desastres naturais havendo registo de que já em 1444, Henrique Alemão, um dos primeiros povoadores, morreu na decorrência do desprendimento de colossais blocos de pedra sobre a sua embarcação. Já no início do século XX, por exemplo, há registo de um maremoto que vitimou dezenas de pessoas na vila quando o desprendimento de grandes rochedos caiu sobre o mar, formando uma grande vaga. Apesar das consequências humanas, o evento destrutivo que causou alteração no ambiente fez nascer ou alargar uma fecunda fajã onde outrora era apenas mar. Estes fenómenos vêm relembrar as palavras de Walter de Maria que sublinham a energia criadora dos desastres naturais, não restando aos humanos senão reconhecer a invencibilidade das forças da Natureza e procurar soluções de ordenamento do território mais equilibradas e eco compatíveis.
Porém, a ideia romântica de ilha-éden-jardim, consubstanciada pelo bucolismo das paisagens, difundidas em pinturas e imagens impressas que vem de longe, parece ter modelado culturalmente a forma como, em parte, o habitante das ilhas continua a olhar para o sua própria região, vendo-a como uma realidade à distância, independente de quem a observa. A iliteracia da paisagem e do risco parece decorrer, assim, de uma certa inconsciência acerca do papel ativo que cada habitante tem na relação dinâmica e interdependente com o território onde vive.
Há nesta exposição uma atenção particular dada ao mundo geológico através da presentificação de espécimes reais que atestam a diversidade litológica da ilha, coexistindo com representações em desenho e criação de objetos que introduziam a dicotomia do natural/articificial e que partem da apropriação de imagens publicadas nos jornais locais para ilustrar as regulares quedas de pedra. Esta exposição, à semelhança de outros projetos já realizados pelo artista, encena “um paradoxo inerente à ontologia da pedra, que tanto pode ser solidez e abrigo, como pode representar o risco, a instabilidade e a agressão. O quotidiano numa ilha vulcânica agudiza a experiência do risco associado à queda de pedras da montanha” (Santa Clara, 2017).
Santa Clara, Isabel (2017). Deambulações pela fragilidade do mundo. Folha de sala da exposição Por entre flores e pedras, de Bruno Corte e Martinho Mendes, Lisboa, Museu Geológico.
Martinho Mendes nasceu na Madeira (1981) onde vive e trabalha. Formou-se em Artes Plásticas, na Universidade da Madeira, e em Educação Artística, pela Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa. Paralelamente à criação artística, coordena o serviço educativo do Museu de Arte Sacra do Funchal onde exerce funções técnico-pedagógicas e de programação cultural no Serviço Educativo. As suas principais áreas e interesses de investigação são a educação artística em museus e centros de arte, assim como a criação e a experimentação artística no cruzamento com os territórios da pedagogia, dos estudos insulares, das ciências naturais, a etnografia e a espiritualidade, explorando e combinando diferentes meios expressivos como a instalação, o desenho, a pintura e a fotografia.
Realizou as seguintes exposições individuais: Do Bom Despacho ao Livramento, Museu Etnográfico da Ribeira Brava (2018); Orgânico, Perene, Galeria dos Prazeres, (2014); Cheerfulness, Museu de Arte Sacra do Funchal (2013); Em trânsito, Museu de Arte Sacra do Funchal (2012); Sobre a mesa, Galeria ASVS Porto (2011); Do litoral - Echium nervosum, Espaço Infoarte da SRTC, Funchal (2011); As nossas memórias nos mentem; Galeria ASVS, Porto (2009); A Casa na Encruzilhada, Colégio dos Jesuítas, Universidade da Madeira, Funchal (2006).
Destaca-se a participação nas seguintes exposições coletivas:
Derrocada/downfall, parceria com Mihal Krenz, Casa da Cultura de Santa Cruz, Madeira (2018); Por entre flores e pedras, parceria com Bruno Corte no Museu Geológico de Lisboa (2017); Between Islands, festival internacional de vídeo-arte, TEA-Tenerife Espaço das Artes, Tenerife - Canárias; Centro de Inovação cultural El Almacén, Lanzarote – Canárias, 7º FIVAC - Festival Internacional de Video Arte de Camagüey – Cuba; Tabakalera. Donosti - San Sebastián; Festival Internazionale Video Arte Viareggio, GAMC Lorenzo Viani de Viareggio – Itália; Centro Cultural de España en Nicarágua – Nicaragua, Ex-Teresa Arte Actual - Mexico; Gran Canaria Espaço Digital, Espanha; Museu de Arte Moderna de Santo Domingo – República Dominicana (2016-2017); Experiência da Forma- Um olhar sobre o Museu de Arte Contemporânea II, Mudas – Museu de Arte Contemporânea da Madeira (2015); Alguns Endemismos e outras Naturezas, parceria com Sílvio Cró e Dina Pimenta, Fortaleza São Tiago – Museu de Arte Contemporânea do Funchal (2014); Labirinto de Memória, Colégio dos Jesuítas, do Funchal (2013); Linha/Line na Porta 33, Funchal (2013); 1988-2013: algumas doações na Fortaleza São Tiago – Museu de Arte Contemporânea do Funchal (2013); Sobre Pedras, entre muros, Colégio dos Jesuítas do Funchal (2005); Mundos e Modos, Teatro Municipal Baltazar Dias, Funchal (2005); Seis artistas plásticos madeirenses na Bélgica, Foyer do Belgishen Rundfunkund Fernsehzentrunms, Comunidade Germanófila da Bélgica (2004), De um lugar extremo e nulo, parceria com Alice Sousa, Fortaleza São Tiago – Museu de Arte Contemporânea do Funchal (2004); 7º Prémio Fidelidade Jovens Pintores, Casa da Companhia, Porto e Abrantes (2003); Galeria em grande, exposição coletiva de pequeno formato, Galeria da SRTC, Funchal (2002).
Exposição
14 Dez 2018 – 11 Jan 2019
Inauguração:
Sexta-Feira, 14 Dezembro 2018, 22:00
Entrada gratuita