RENATO FERRÃOCascatas e Desabamentos

Exposição
17 Abr – 23 Mai 2015

Inauguração
Sexta-feira, 17 Abril 22:00

Entrada gratuita

Em Agosto de 1946, Marcel Duchamp e Mary Reynolds alugaram um quarto no Hotel Bellevue, nas proximidades de Chexbres, na Suíça, e a 100 metros do "balcão do mundo". Se a visão de que então dispuseram é sublime - o designado pequeno lago do Lemano e os vinhedos de Lavaux -, terá sido o ruído de uma cascata, a Le Forestay, que terá agarrado a atenção do artista. Uma pequena caminhada e eis a queda de água, que desenha um trajecto em forma de vulva até ao momento de desabar nas encostas onde é plantado o Dézaley, seguindo depois o seu caminho até ao Lemano. Duchamp tirou então sete fotografias da paisagem, uma das quais usaria posteriormente no diorama "Étant donnés: 1º la chute d'eau 2º le gaz d'éclairage".

Esta pequena história completa-se com uma outra: a partir da varanda do Bellevue, Duchamp podia ver Tour-de-Peilz, a vila onde Gustav Courbet passou, no exílio, os últimos anos da sua vida. O artista que nos é mais contemporâneo manteve sempre uma posição paradoxal relativamente ao autor de "L'Origine du monde", se por um lado lhe criticava a sensualidade, a fisicalidade e a dimensão retiniana das suas obras, por outro não se pode deixar de assinalar a sua proximidade a Courbet no modo de tratar o erotismo em muitos dos seus actos criativos - essa relação pode ser sobretudo detectada ao nível do voyeurismo, que tanto um como o outro fizeram sempre questão de praticar.

A exposição "Cascatas e desabamentos", de Renato Ferrão, pode ser lida a partir deste pano de fundo. Formada por 11 dioramas, que também poderíamos designar por máquinas celibatárias, a mostra tem uma dupla origem exótica e oriental: a aquisição ao senhor Li Yu de uma velha cascata dos anos 1970, que fazia parte da decoração de um restaurante chinês na rua Pires de Lima, no Porto, e o encontro do artista com um recorte de uma pin-up macaense colada numa porta de um móvel - uma bancada de carpinteiro -, que se encontra nos depósito do Museu da Electricidade, em Lisboa. A colisão entre a imagem da modelo e a queda de água deu origem a uma série de reflexões não só acerca da dicotomia real/artificial, mas também e sobretudo sobre as formas de representação do desejo na arte actual. 

Não será por acaso que as cascatas de que Renato Ferrão se apropriou têm origem em geografias exóticas, mas as quais estão cada vez mais povoadas pelo turismo e pelas obras públicas: numa das imagens observam-se veículos todo-o-terreno no topo de uma queda de água, enquanto que noutra se vê um estaleiro. Não é também fortuita a inclusão de dioramas de uma cascata congelada - o desejo adiado - ou de um vulcão - o desejo consumado. Entre a queda e a ascensão, ambas postas a nu, entre o paraíso e a catástrofe, esta exposição é uma maquinação, um complexo trabalho erguido peça-a-peça, manualmente. Há aqui uma reversão dos papéis: é o celibatário, o artista, que se despe perante nós, espectadores. 

E se, em Duchamp, 150 watts iluminavam uma vulva sem pêlos, aqui são os leds que revelam a água, o fumo, a espuma, acentuando o erotismo de paisagens em movimento. Um outro tempo, uma outra poupança (de energia). A cascata congelada é a imagem que ecoa nas restantes desta exposição - não é a fotografia senão a solidificação de um instante? Os motores ajudam a criar, nos restantes objectos, a ilusão de um presente perpétuo, embora por vezes possa acontecer uma falha. É Jean-François Lyotard que nos diz: "Interpretar é fútil. Tanto quanto querer circunscrever o verdadeiro efeito do 'Grand Verre' e portanto o seu real conteúdo; o "Verre" é feito precisamente para não ter um efeito de verdade, nem mesmo alguns efeitos verdadeiros, segundo uma lógica mono- ou polivalente, senão efeitos descontrolados; ora não só o verdadeiro é o controlável, mas também o falso, considerando que Duchamp tem como objetivo um espaço para além dos valores de verdade: impoder ["impouvoir"] e potência.” 

A exposição de Renato Ferrão é acompanhada por uma publicação (edição limitada a 100 exemplares). Este opúsculo resulta de uma recolha etnográfica de tradições, ritos e costumes associados ao elemento natural e jorrante que são as cascatas. O artista, que tudo isso testemunhou in loco, aglomerou esses contos exemplares na antologia agora editada.
 

Exposição
17 Abr – 23 Mai 2015

Inauguração
Sexta-feira, 17 Abril 22:00

Entrada gratuita