JOÃO PEDRO TRINDADEÀ fina força

Exposição
9 – 31 Mar 2018

Inauguração: 
Sexta 9 de Março 2018, 22h

Entrada gratuita
 

Pequenos segredos, agora maiores do que nós

Óscar Faria

A “frotagem” é uma antiga técnica de desenho, tantas vezes usada em brincadeiras de infância, praticada sobremaneira pelos surrealistas, pelo facto de através das imagens obtidas se potenciar o acesso ao inconsciente. Deve-se sobretudo a Max Ernst o interesse por esta forma de fazer arte: um dia, no Verão de 1925, a chuva atingiu o chão em madeira do hotel de Porniac onde o pintor alemão se encontrava hospedado. Ao observar as formas reveladas pela água, decidiu colocar uma folha de papel sobre a superfície de modo a registar as suas texturas: “When I intensely stared at the drawing won in this manner, at the ‘dark spots, and others of a delicate, light, semi-darkness,’ I was by the sudden augmentation of my visionary facilities with contrasting and superimposed pictures.”

Os primeiros resultados dessa pesquisa foram reunidos num portfolio intitulado “Histoire naturelle” (1926). As imagens nele incluídas recordam muitas vezes ilustrações científicas – de minerais, vegetais, animais e órgãos do corpo humano – e, como nota o próprio artista: ““The drawings thus obtained steadily lost the character…of the wood …and assumed the aspect of unbelievably clear images probably revealing the original causes of my obsession…” Nessa passagem das texturas de diferentes matérias – da madeira à crosta do pão, passando por cordéis e arames – para o papel dá-se uma transmutação: como se se fixasse um fugidio sonho, as suas breves impressões, numa frágil superfície.

No ano da publicação da obra, editada pela galeria parisiense Jeanne Bucher e que incluía 34 fototipias e prefácio de Hans Arp, um outro autor surrealista, René Crevel escreveu uma recensão para a “Nouvelle Revue Française”, na qual nota: “As aranhas, cansadas de comer moscas, deleitaram-se com as nossas montanhas habituais, e nós conhecemos o reinado de coisas desproporcionais. A justiça enfim feita finalmente é devolvida aos insectos. O que chamamos orgulhosamente de "nossa educação" deve ser totalmente feito de cima para baixo e Max Ernst tem razão, quem, sob o simples título de ‘História Natural’, nos apresenta, em trinta e quatro placas, as terríveis maravilhas de um universo cuja nossa sola já não tentará esmagar os pequenos segredos, agora maiores do que nós.”

Em “À fina força”, João Pedro Trindade apresenta três núcleos de trabalhos, que são unidos pela mesma vontade de revelar superfícies através de processos de moldagem de superfícies, de “frotagem” e de descolagem. Os resultados obtidos sublinham as qualidades plásticas dos objectos originais, agora mudados em arte: assim temos gravuras prateadas, esverdeadas esculturas – realizadas com recurso à espuma usada para fazer arranjos florais – e cartazes a quem se procurou devolver o tempo da sua aplicação na parede – neste caso, existe um diálogo do artista com as práticas dos “décollagistes” franceses, como Jacques Villeglé, François Dufrêne e Raymond Hains.

Nessa sua aproximação ao real, onde procura registar sobretudo diferentes tipos de impressões – objectos calcados, desbotados, moldados pelo tempo –, João Pedro Trindade toca a categoria estética de “feio” ou, numa acepção que melhor se ajusta aos seus trabalhos, de “bruto”, tal como definida na “Teoria Estética”, de Theodor W. Adorno: “A arte deve transformar em seu próprio afazer o que é ostracizado enquanto feio, não já para o integrar, atenuar ou reconciliar com a sua existência pelo humor, que é mais repelente que todo o repulsivo, mas para, no feio, denunciar o mundo que o cria e reproduz à sua imagem, embora mesmo aí subsista ainda a possibilidade do afirmativo enquanto assentimento à degradação em que facilmente se transforma a simpatia pelos reprovados.”

Uma arte bruta, esta, de João Pedro Trindade, feita de impressões, marcas de um tempo onde quotidianamente se produzem as mais diversas barbáries. Impressões digitais, impressões de edifícios, impressões rasas como o chão. Os “finger touch” de Bruce Nauman – do portfolio “Eleven color photographs” (1966-67) – podem ser colocados em confronto com as obras agora apresentadas. No caso do artista americano, as mãos tocam a superfície de um espelho, um obstáculo que, se por um lado, recusa a ser moldado, por outro, prolonga o gesto, duplicando-o. Nos trabalhos incluídos em “À fina força”, a presença do autor chega-nos antes através de vestígios da sua acção sobre os materiais, que se podem detectar nas texturas, nos furos ou nos rasgões sofridos durante o processo de criação dos mesmos. São peças frágeis, impuras, que nos recordam uma outra passagem de T.W.Adorno: “Quanto mais pura a forma, maior a autonomia das obras, portanto, mais cruéis elas são.”

João Pedro Trindade (1990, Aveiro) vive e trabalha na cidade do Porto, onde se licenciou no curso de Artes Plásticas – Pintura, pela Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto. Tem vindo a colaborar em projectos de desenvolvimento e divulgação cultural como a Painel, entre os anos de 2012/2014, integrando actualmente a equipa dos projectos Nartece e Sismógrafo. Enquanto autor, tem vindo a fazer uso dos meios como a pintura, escultura e instalação na investigação e produção do seu trabalho. Exerce funções na companhia de Teatro de Marionetas do Porto enquanto assistente de produção o cinal, desde o ano 2016.
 

Exposição
9 – 31 Mar 2018

Inauguração: 
Sexta 9 de Março 2018, 22h

Entrada gratuita