EDUARDO PETERSENA caminho de Marte

Exposição
12 Out – 9 Nov 2019

Inauguração:
Sábado,12 Outubro 2019, 16h

Entrada gratuita

O ouro e o pão

Óscar Faria

São muitas as revoluções que atravessam a exposição “A caminho de Marte”, de Eduardo Petersen. Herdeiro de várias tradições artísticas e sociais, o artista apresenta um conjunto de desenhos, pinturas e esculturas que integra instantes individuais e colectivos e a forma como uns influenciam os outros. A história da arte e as conquistas laborais, os avanços e retrocessos nestes domínios, podem ainda ajudar a uma aproximação a uma mostra onde se procura não só tornar perenes mundos em decomposição, como também prolongar estados de exaltação criativa, sublinhando-se nessa dupla tentativa quer a vaidade dos homens, quer a possibilidade de superação desse individualismo através da constituição de uma comunidade de onde fosse erradicada para sempre a necessidade de explicar a uma criança a diferença entre os preços das casas. Nesse lugar, utópico por enquanto, também as naves extraterrestres teriam a sua voz, dando mais cor ao céu, maravilhando assim estetas e operários, agora juntos a tentarem aprender uma nova linguagem.

“A caminho de Marte” pode também ecoar outros sentidos, como “A caminho da arte” ou, numa declinação mais negra, “A caminho da morte”. Na proposta de Eduardo Petersen, estamos perante a questão do confronto do artista com o destino, tentando este nesse processo salvar os sinais que confirmam a sua passagem entre nós. A exposição inicia-se com um pequeno auto-retrato, no qual o rosto surge como camuflado pelas cores e gestos que o (de)formam, transformando essa pintura numa paisagem, na qual podemos ver uma montanha em cujo topo foi esculpida uma cabeça solar. Por baixo, a unir o chão e a parede, encontra-se uma escultura: bordão, taco de golfe ou pé-de-cabra, esta peça instaura a dúvida e abre lugar a especulações, pois, conforme a interpretação, ela pode sugerir relações com os universos da religião, da alta burguesia ou do lumpemproletariado. Há ainda uma outra hipótese, porventura a mais plausível: ser este trabalho um exercício acerca de questões relacionadas com a tensão, o equilíbrio, o gesto do desenho, a forma de materializar uma presença no espaço. Esta é uma dúvida que irá surgir ao longo da exposição: a polissemia de cada obra apenas serve para revelar o seu último sentido, que é o confronto com a nossa própria finitude.

Não será por acaso que muitos dos trabalhos apresentados nos conduzem através de uma espécie de campo-santo, com as suas lápides, túmulos, espelhos, representações de “vanitas”, um nariz em ouro, figuras da culpa, as quais se redimem depois de simbolicamente decapitadas – o auto-retrato inicial não deixa de ser uma decapitação, podendo esta ser também interpretada como um corte com a pintura. A exposição encerra mesmo com uma mesa onde uma série de bronzes fixando frutos e legumes, alguns em decomposição, oferece ao olhar do espectador limões, laranjas, maçãs, pastinacas, abóboras, batatas doces e rábanos. Bem próximo, uma outra mesa, vazia, constitui-se ela mesma como um monumento funerário. Tudo na sala parece petrificado, mesmo quando a cor invade, por breves instantes, o espaço do Sismógrafo: o “Banhista” sem rosto parece eternamente esquecido pelo horizonte, iniciando o trajeto de devir areia, pó: uma construção à beira-mar. E, à paisagem visível na outra pintura desta sala falta a jarra com rosa evocada no título, deixando-nos assim perante uma ausência: essa revolução apenas iniciada, imaginada, mas ainda por cumprir.

Daí ter esta exposição um cariz político muito acentuado. O tempo urge e não devemos adiar mais as nossas decisões. Um desenho mostra-nos o rosto de uma revolta, de uma sedição. Ele olha para nós, para o futuro. Naquele instante, não sabe ainda as consequências da sua acção. Aprendamos com esse olhar. E também a ver, na escultura colocada na sua vizinhança, uma peça entre o bordão de S. José e uma pata de Leão, um outro sinal dessa dimensão política desta mostra, pois aquele santo, carpinteiro de profissão, é hoje o padroeiro dos trabalhadores.

Em carta enviada a Italo Calvino, datada de Julho de 1974, Pier Paolo Pasolini diz ter saudade do “ilimitado mundo camponês, pré-nacional e pré-industrial, que sobreviveu até há poucos anos (…)”. E adianta, um pouco mais à frente, “Os homens deste universo não viviam na ‘Idade do Ouro' porque não estavam comprometidos, senão formalmente, com a Itália do pós-guerra. Viviam na ‘Idade do Pão', como lhe chamou Chilanti, isto é, eram consumidores dos bens estritamente necessários. E era isso, talvez, que lhes tornava estritamente necessária a sua vida pobre e precária, porque, como se sabe, os bens supérfluos tornam supérflua a vida”.

Pode ser quase lida como uma fábula, esta exposição de Eduardo Petersen: “O ouro e o pão”. Moral: que um dia não seja mais necessário explicar a uma pobre mulher e à sua filha o facto de existirem pessoas que merecem viver em melhores casas. Porque não existe argumentação possível: a habitação é um direito. A arte também.

Eduardo Petersen (Lisboa, 1961), vive e trabalha como juiz. A sua formação académica passou pela Cooperativa Árvore, com um curso de Desenho (Porto, 1997-1999) e pela School of Visual Arts, através da International Summer Residency (Nova Iorque, 1999). Fez o Curso Básico de Desenho e Escultura e o Curso Avançado de Artes Plásticas da Ar.co (Lisboa, 2001-2004) e o Independent Studies Program, na Maumaus, (Lisboa, 2008/2009).

Expõe individualmente desde 1993, das quais se destacam: “E agora Sr.Dr.?”, Galeria Lóios (Porto, 1998) e “Do you love me?”, no Hotel Forte de São João Baptista, (Vila do Conde, 2000).

Eduardo Petersen participou no “Prémio EDP Jovens Artistas”, 5ª edição (Coimbra, 2005), e nas exposições colectivas “Espaço Interpress” (com António Bolota e Teresa Henriques), (Lisboa, 2006), “Straight ahead and then turn”, “Espaço Avenida”, Lisboa, 2008.

Conta também com diversas colaborações, nomeadamente com André Catalão, Agostinho Gonçalves e Paulo Lisboa nos seguintes projetos: “Vltra Trajectvm”, Expodium (Performance, Utrecht, Holanda, 2011), “Hotchpotch”, Lx Factory (Colectiva, Lisboa, 2010) e “Otia Tvta”, Palácio Quintela (Performance, Lisboa, 2009). Colaborou com António Leal, Cristina d’Eça Leal, Ana Pissara e Diana Simões na vídeo instalação “No tempo da melancia”, “Espaço Avenida” (Lisboa, 2010). Participou também em dois projetos com Marta Caldas, Armanda Duarte, Mariana Ramos, Maria Teresa Silva e Thierry Simões: “Elevação, Suspensão, Afinação”, Parkour (Lisboa, 2014) e “Caixa de Contar”, uma peça especialmente concebida e produzida para a biblioteca do Morro do Céu, MAC, Niterói, Rio de Janeiro (Lisboa, 2010).

Folha de sala

Exposição
12 Out – 9 Nov 2019

Inauguração:
Sábado,12 Outubro 2019, 16h

Entrada gratuita